Casa do Povo de Arganil
As instalações ocupadas pela Casa do Povo de Arganil foram construídas entre 1933 e 1934 pela Santa Casa da Misericórdia de Arganil com o objetivo de abrigar um asilo, que integrava também "um club ou sala de conferências", destinado a realizar atividades que pudessem gerar receitas para a entidade. As comparticipações concedidas pelo Fundo do Desemprego de 29.400$00 em 1933.02.23, 6.955$53 em 1933.05.18 e 12.500$00 em 1934.11.19 destinavam-se à "obras de construção de um Asilo anexo à Santa Casa da Misericórdia de Arganil", cujo programa incluía um "club ou sala de conferências, e ainda à instalação de um albergue". (Direção-Geral do Património Cultural, Arquivos e Coleções Documentais da Ex-DGEMN, DREMC 1453 1) Em Março de 1935, as obras estavam em curso mas em 1936.05.20 o projeto foi rejeitado pelos técnicos da Direção de Edifícios Nacionais do Norte "por não satisfazer às condições de estética, segurança e capacidade elementarmente exigidas para uma casa de espetáculos públicos".
Em 1938.08.11, O Diretor da DGEMN declarou que "os esclarecimentos agora apresentados fazem com que pareça mais tratar-se de um salão de cinema, bar e bilhares, com um anexo ou pequena parte destinada a Asilo, do que um Asilo com um Salão de festas", ao que o Diretor da DENC António Pinheiro da Mota respondeu afirmando que o projeto "foi elaborado de acordo com a pretensão daquela Misericórdia que pretendia tirar do aluguel do seu salão de festas, convertido em casa de espetáculos nos dias em que não o utilizasse, algum benefício que auxiliasse na sustentação do Asilo". A única solução, na opinião do Diretor da DENC, seria "reprovar definitivamente o projeto". Apesar disto, a obra inacabada foi cedida à Casa do Povo local, que nela implantou sua sede em 1943, terminando a construção da sala de espetáculos somente em 1955.
Os sucessivos relatórios de Inspeção dos organismos corporativos realizados entre 1948 e 1970, apresentam, via de regra, um sumário da história da entidade e descrevem as condições da sede da Casa do Povo de Arganil, bem como algumas das atividades que ali se desenrolavam:
"A sede da Casa do Povo está instalada em edifício próprio, adquirido em 1943 à Misericórdia pela importância de 70 contos. A história desta transação foi a seguinte: A misericórdia tomou a iniciativa de construir um edifício para exploração de espetáculos. Esta construção, muito dispendiosa ficou em meio por falta de fundos. Chegados à conclusão de que aquela instituição nunca poderia concluir o edifício com os recursos próprios os seus dirigentes procuraram aliená-la pelo que se apresentaram vários concorrentes entre os quais a Casa do Povo. Entendendo que este organismo teria possibilidades de acabar a construção segundo o projeto traçado patrocinou-se a pretensão da Casa do Povo, que veio a adquirir o prédio por um preço relativamente módico, com a cláusula de ceder o salão de espetáculos à Misericórdia gratuitamente uma vez por mês para realizar uma sessão por sua conta. A compra teve lugar em 1943 e, para esse efeito, a Casa do Povo foi subsidiada pelo Fundo Comum na importância de 60 contos. Estavam no pensamento da Direção e toda a massa associativa o cria, que as obras de acabamento seriam imediatamente realizadas. Mas por falta de disponibilidades e também segundo o creio, por conveniência em alterar o projeto inicial, tais obras nunca mais se realizaram. Daí o edifício inacabado, a deteriorar-se de ano para ano, pois uma seção, aquela onde ficaria o salão de festas e espetáculos só tem as paredes levantadas e o telhado, aliás com viga mestra apodrecida, sem quaisquer resguardos nas janelas que são bastantes e sem reboco nas paredes. Esta parte da Casa ameaça já ruir o que a dar-se acarretará enorme prejuízo para o organismo podendo também prejudicar a outra parte do edifício que tem as mesmas paredes mestras. O setor onde está instalada a Casa do Povo é constituído por rés do chão e primeiro andar, com salas amplas, numa das quais são realizadas festas e espetáculos de cinema o que tem vindo a dar um rendimento superior a 1.000,00 escudos anuais. Noutra dependência ensaia a banda, uma outra foi arrendada à Legião Portuguesa; as restantes são ocupadas pelos serviços da Casa do Povo. (...) Até agora nada se conseguiu obter dos poderes públicos o que trás a população descrente e a Direção desanimada e aquela pergunta a si própria que direções são aquelas que passam pela Casa do Povo que não são capazes de acabar a sede. Este facto criou uma psicose de desinteresse pela Casa do Povo a tal ponto que ningiém quer ir para a Direção, a não ser com o compromisso de se lhe dar a certeza de que as obras irão ser realizadas, Este problema é determinante do futuro da Casa do Povo." (José Augusto dos Santos Silva, Subinspector da Inspeção dos Organismos Corporativos em Inspeção à Casa do Povo de Arganil, 11 de Junho de 1948, fls.11-12)
Em 1950, o presidente da Câmara Municipal de Arganil declarou que o "projeto do edifício que Misericórdia desta vila pretendeu construir, destinado a asilo e foi ao tempo comparticipado (...), por motivos vários, não chegou a ser ultimado" e, em 1950.04.22 que "verifica-se alterações profundas, quer quanto ao arranjo interior, quer quanto à area desocupada, que agora é muito mais extensa". (Direção-Geral do Património Cultural, Arquivos e Coleções Documentais da Ex-DGEMN,DREMC 1453 2)
Em 1955, a "esplêndida sala" havia acabado de ser construída, com o objetivo de realizar espetáculos e sessões culturais e assim "aproximar a instituição da população associativa". (Alberto Dias Póvoas, Subinspector da Inspeção dos Organismos Corporativos em Inspeção à Casa do Povo de Arganil, 5 de Julho de 1955, fl.2)
"O projeto de adaptação de parte da sede associativa a casa de espetáculos é de autoria do Eng. Castro Pita, de Coimbra. (...) As obras, incluindo o mobiliário, foram dadas de empreitada (...) a Isidro Barata." (Alberto Dias Póvoas, Subinspector da Inspeção dos Organismos Corporativos em Inspeção à Casa do Povo de Arganil, 5 de Julho de 1955, fl.13)
"Quanto ao edifício da sede, estão finalmente concluídas as obras de reconstrução e de adaptação; a casa reúne esplêndidas condições para a realização de sessões culturais e recreativas, atraindo os sócios e constituindo razão suficiente para uma intensa vida associativa de contato e convívio; todavia, tal não tem acontecido, infelizmente; a casa continua pouco frequentada por parte dos beneficiários, tal como acontecia anteriormente a efectivação das obras, a despeito das sessões cinematográficas e algumas exposições folcóricas e culturais que se tem realizado. " (António Pereira, Subinspector da Inspeção dos Organismos Corporativos em Inspeção à Casa do Povo de Arganil, 4 de Fevereiro de 1957)
"O edifício-sede está hoje completado e a sua esplêndida casa de espetáculos passou a ser novamente frequentada pelo uso dum aparelho de televisão (em vias de aquisição pelo organismo)." Fernando Salvador Coelho, Subinspector da Inspeção dos Organismos Corporativos em Inspeção à Casa do Povo de Arganil, 6 de Novembro de 1956).
"A sede da Casa do Povo - ampla e sólida mas desconfortável - tem muito mal aproveitadas as dependências, sobretudo no que respeita à secretaria, uma escura sala interior, com o único préstimo de arrumação. Excelente o salão de festas e espetáculos, onde, com farta concorrência de espectadores, funciona um aparelho de televisão comprado a prestações, de que várias estão ainda por liquidar." (Manuel Morgado Valério, Subinspector da Inspeção dos Organismos Corporativos em Inspeção à Casa do Povo de Arganil, 4 de Agosto de 1961).
De acordo com testemunhos locais recolhidos em 2023, e como era regra então em outros locais, as pessoas, especialmente os agricultores, inscreviam-se na Casa do Povo, pagavam uma taxa e tinham direito a assistência médica. Segundo estes testemunhos, as consultas eram no rés-do-chão. Durante algum tempo, a Casa do Povo e o centro de saúde prestavam cuidados médicos em simultâneo, mas eram serviços independentes.
Notas
O caso da sede da Casa do Povo de Arganil revela que, nos primórdios do Estado Novo, durante o processo de concessão das primeiras obras parcialmente financiadas pelo Fundo do Desemprego, foram concedidos financiamentos para edifícios cuja função era incerta ou mesmo duvidosa, uma vez que os programas e ações locais do Estado Corporativo ainda estavam sendo gestadas. A combinação entre assistência social e oferta de atividades culturais proposta então pela SCMA acabou por ser assumida pela Casa do Povo, instituição que ocupou também a obra inacabada em curso e adaptou-a progressivamente ao novo uso.
A sede da antiga Casa do Povo de Arganil, instituição hoje praticamente inativa, resulta de sucessivas obras de construção e adaptação do edifício inicialmente projetado para servir como asilo, que ganhou outras valências durante a sua construção. A intensa atividade das Comissões de Melhoramentos locais sediadas na Casa de Arganil de Lisboa talvez ajude a explicar a pouca atividade e prestígio da Casa do Povo de Arganil, entidade próxima à SCMA e sob a tutela dos organismos corporativos.
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Estado e Utilização
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A informação constante desta página é fruto do trabalho de Diego Inglez de Souza em janeiro de 2024 e de Ivonne Herrera Pineda em abril de 2024, e foi reunida através de fontes documentais e bibliográficas e dos diversos contributos e testemunhos que pudemos recolher em Arganil. Conta com a preciosa informação partilhada por algumas pessoas que permanecem anónimas, a quem muito agradecemos.
Para citar este trabalho:
Arquitectura Aqui (2024) Casa do Povo de Arganil. Acedido em 21/11/2024, em https://arquitecturaaqui.eu/obras/1141/casa-do-povo-de-arganil