Mercado Municipal, Moncarapacho, Olhão
O mercado do peixe e verdura que existe em Moncarapacho, apesar das obras de reabilitação de que tem sido alvo, há muito que não cumpre, por questões de salubridade, as necessidades da população local. Em 1965, a Câmara Municipal de Olhão (CMO) oficia à Direção de Urbanização de Faro (DUF) alegando o estado de ruína em que se encontra o mercado para justificar a desmontagem do telhado do edifício que ameaça ruir. Ao que a DUF informa estar a ser elaborado um projeto para a construção de um novo mercado pelo arquiteto Carlos Artur Caldas de Oliveira, por determinação da Direção-Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU).
Inscrito no Plano Comemorativo de 1966, a verba que lhe está atribuída corresponde a um antigo projeto de remodelação destinado ao mercado que existe e não a uma obra nova, o que leva a que a obra do novo mercado seja substituída por outra, no Plano Comemorativo, adiando assim a resolução do processo.
Para satisfação de todos, mas, principalmente, dos moncarapachense, em sessão de câmara ordinária, de 20 de setembro de 1967, a CMO, delibera proceder-se à construção de um mercado novo para Moncarapacho, uma vez que o equipamento existente necessita “de grandes obras de beneficiação e adaptação, o que não resolveria o problema, pois as instalações atuais, além de acanhadas, encontram-se numa maneira geral, desatualizadas não podendo cumprir de maneira satisfatória as suas funções”. Para dar início ao processo, nomeadamente à elaboração do projeto para o novo edifício, a CMO procura, entre os terrenos disponível na vila, aquele que seja mais adequado à implantação de um mercado. “O terreno escolhido, marginal à estrada que conduz a Moncarapacho, situa-se a sul da Rua do Pé da Cruz, ficando perto do edifício da Casa do Povo”, pela sua localização e dimensões afigura-se na perspectiva da CMO o mais adequado. Trata-se de um espaço plano no qual, até há pouco tempo, existia o campo de futebol do Lusitano Ginásio Clube Moncarapachense, e a sua localização permite “criar acessos para peões e veículos, bem como a criação de parque de estacionamento para estes”.
Em dezembro de 1968, um novo arquiteto, Alfredo Carlos Villares Braga, do Porto, incumbido de elaborar o projeto do novo mercado propõe, com base no programa apresentado pelo presidente da CMO, um edifício misto – com uma parte coberta e outra descoberta –, dotado de talhos, lojas, toldos, arrecadação, gabinete do fiscal e instalações sanitárias para homens e mulheres, completado, após visita a outros mercados, com gabinete para o veterinário e locais para venda de animais de penas e pelo. Classificado na categoria B, o novo mercado tem um custo estimado de 988.500$00 esc..
Não estando de acordo com as Normas Oficiais para a Construção de Mercados em vigor, em julho de 1972, o anteprojeto é revisto com base nos pareceres da DGSU e do Gabinete do Planeamento da Região do Algarve (GaPA). O mesmo arquiteto apresenta agora um edifício totalmente fechado para “satisfazer os desejos do atual Presidente, bem como da Câmara que, por razões de segurança, preferiram e fizeram questão que o mercado fosse totalmente fechado.” O valor estimado da obra sobe para 1.925.750$00 esc.
A morosidade do processo aumenta a insatisfação da população local que se sente desamparada pela administração municipal que, sem sucesso, vem colocando a construção do mercado municipal de Moncarapacho como obra prioritária nos “Planos de Atividades” anuais da CMO, o que cria “no espírito da população local o descrédito da administração, ao verificar-se que o problema não se resolve apenas com a inclusão em planos e promessas.” Na verdade, não depende apenas da CMO a concretização da obra que, que aguardando a comparticipação estatal, vê-se envolta em avanços e recuos com os serviços centrais da DGSU. Aprovado finalmente o anteprojeto passa-se à fase de projeto em 1973, no qual a estimativa orçamental atinge o valor mais alto, de 2.852.838$00 esc., com uma comparticipação estatal de apenas 15% do valor global da obra.
A obra é por fim incluída no Plano de Obras para o ano de 1974, sendo-lhe atribuída a comparticipação de 450.000$00 esc. pelo Orçamento Geral do Estado (OGE), a 12 de abril de 1974, a pouquíssimos dias da Revolução de Abril. São abertos vários concursos, que ficam sucessivamente desertos, ao que o vereador municipal Martiniano Leal associa a incerteza quanto à nova legislação sobre a construção civil que está para sair. A solução passa por promover concurso limitado. Das cinco firmas convidadas apenas uma responde com uma proposta no valor de 5.214.716$00 esc., o que leva a CMO a declarar-se financeiramente incapaz de prosseguir sem maior apoio financeiro do Governo, “o mercado de Moncarapacho é um melhoramento que constitui uma das mais antigas e mais justas aspirações dos habitantes daquela freguesia, que com o correr dos tempos tem mais razão de o ser. O atual local, a funcionar como Mercado, é um pardieiro sem quaisquer condições para o fim para que está a ser utilizado. Estes factos são tão do conhecimento de V. Ex.ª que nos escusamos mais pormenores. (…) seria uma desilusão grande para eles e para nós não virem ainda desta vez a concretização do seu Mercado.” Desta forma a CMO consegue os pareceres positivos das entidades regionais e centrais quanto ao aumento do apoio financeiro e, por despacho do secretário de Estado da Habitação e Urbanismo (Sec.EHU) de 19 de agosto de 1974, a obra é adjudicada à Firma Eduardo Pinto Contreiras & Filhos, Lda.
Em menos de dois meses, a 30 de setembro, a CMO revoga a adjudicação da obra, “em conformidade com o entendimento dos representantes da maioria dos munícipes, de que a obra era bastante dispendiosa, pelo que deveria o mercado em causa ser substituído por um outro de menos custo”, pedindo-se a transferência da verba concedida para a obra de construção Esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP) em Olhão que já se encontra concluída, o que veio a ser aceite pelas entidades superiores.
O processo volta ao início e a 28 janeiro de 1975, a CMO apresenta para aprovação um anteprojeto novo para o mercado elaborado pelo arquiteto [ass. ilegível] “com a colaboração da Comissão Administrativa da Freguesia de Moncarapacho, e posto à discussão dos habitantes ao que o mesmo se destina”. Orçamentado em 1.549.800$00 esc. (o que exclui a zona envolvente), foi incluído no Plano de Obras de Equipamento para 1975, aprovado por despacho do Sec.EHU a 15 março desse ano, com uma comparticipação na ordem dos 2.500.000$00 esc. a repartir pelos anos de 1975/76.
Em janeiro de 1977, após a obra ter sido colocada a concurso, foi determinado atribuir a sua construção à proposta mais económica, a do empreiteiro José António Duarte.
As obras do tão desejado novo Mercado Municipal de Moncarapacho têm finalmente início a 14 de março desse ano.
Notas
O longo processo para a construção de um novo Mercado Municipal em Moncarapacho resulta na participação de diversos intervenientes municipais que, pela duração do mesmo, não participam em todas as decisões. As diferentes propostas apresentadas refletem ideias e visões de alguns desses intervenientes locais, como as dos sucessivos presidentes da CMO. O arquiteto Villares Braga na memória descritiva da proposta apresentada em dezembro de 1968 alude: “Sendo Olhão e o seu concelho uma região de terraços e mirantes com açoteias, no percebimento louvável da parte do município em conservar o aspeto regionalista tão característico deste concelho algarvio, insistiu o Exmo. Presidente em que a cobertura do mercado fosse plana. Em princípio seria portanto coberto, o novo mercado de Moncarapacho. No entanto, sendo o Algarve uma região de poucas chuvas e de clima quente sem os rigores dos invernos das regiões mais para norte, assente o número de peças do programa, optou-se por um mercado tipo misto - locais de venda cobertos e respetivos espaços envolventes descobertos, o que além de facilidade de construção e aumento quando necessário, resulta um embaratecimento da materialização do projetado, nos parece adaptar-se mais aos condicionamentos climatéricos locais.”
O mesmo arquiteto, na proposta apresentada em julho de 1972, sublinha agora a posição oposta do novo presidente em funções: “queremos focar neste capítulo que a solução agora adotada para o mercado, totalmente fechado, estando em total contradição com a anteriormente apresentada, defendida e justificada, deve-se em parte a satisfazer os desejos do atual Presidente, bem como da Câmara que, por razões de segurança, preferiram e fizeram questão que o mercado fosse totalmente fechado.”
Outras questões se levantam no decurso deste processo que opôs, algumas vezes, entidades locais e projetistas a entidades regionais e centrais, nomeadamente em relação à dimensão, ao programa e à população/área a servir do futuro mercado. Projetistas e entidades locais chamam à atenção dos poderes decisores para a importância de conceber um projeto que:
- responda aos “interesses da população a servir, população rural algarvia, sem nos esquecermos do seu modo de vida, em que se notam preferências acentuadas por certos produtos em desfavor de outros”;
- equacione, por exemplo, “parques de estacionamento para bicicletas e motorizadas (o grande meio de transporte usado nos meios rurais algarvios) bem como carroças…”;
- considere o índice de utilização com base na população da aldeia mas também parte da população da freguesia, “fica-nos portanto uma margem populacional de 35% em excesso dos 2000 hab. estimados, um tanto empiricamente, pois em verdade, desconhecem-se números da população da aldeia e a que recorrerá ao mercado, acrescida de alguma da freguesia”;
- adapte o programa-tipo de mercado às características da localidade e sua população, “por informações colhidas junto da C. M. Olhão e habitantes de Moncarapacho, podemos desde já afirmar que unidades de utilização do mercado consideradas de acordo com as normas oficiais, ou não terão utilização ou então terá que se lhe dar outro destino. (…) Antes de procedermos à remodelação do anteprojeto, resolvemos ouvir a opinião do Presidente da Câmara que, ligado a Moncarapacho, certamente teria uma palavra válida a dizer sobre o assunto. (…) Insistiu connosco o Exmo. Presidente que, destinando-se o mercado à aldeia e sendo esta vincadamente de características rurais, haveria certamente produtos que a sua população não iria procurar ao mercado pois possuía-os de sua produção. Estão neste caso, como já fizemos referência, os produtos hortícolas e de capoeira, havendo porém uma nítida preferência de peixe fresco e carne.”
No decorrer do processo torna-se claro que as entidades locais, debatem-se de forma sistemática pela adaptação do programa às necessidades reais da população alvo salientando as suas características e especificidades.
O projeto de arquitetura aprovado para a construção do mercado de Moncarapacho data de 1976, uma década após o início do processo oficial para comparticipação estatal da obra. Entretanto, em dez anos de avanços e recuos, as entidades envolvidas no processo haviam chegado a um projeto demasiado ambicioso, cuja obra, o “entendimento dos representantes da maioria dos munícipes” considerou “bastante dispendiosa, pelo que deveria o mercado em causa ser substituído por um outro de menos custo” revogando-se, desta forma, o projeto aprovado pelo secretário de Estado em 1974.
Relativamente à implantação do edifício este encontra-se perfeitamente inserido no núcleo urbano, em zona de bons acessos (entrada e saída da povoação) e com área suficiente que providenciará um amplo espaço de estacionamento e circulação, quer motora quer pedonal quer, ainda, de tração animal, para além de prever uma zona restrita para cargas e descargas.
O novo projeto procurará “combinar os fatores económico com a eficiência e o aspeto funcional tentado arranjar uma solução que não sendo dispendiosa, estivesse de acordo com um mínimo preconizado por lei para estas obras, e desse satisfação às prementes necessidades que neste campo tem a aldeia de Moncarapacho e zonas limítrofes.”
O projeto apresenta um edifício de traçado simples, de configuração retangular, em “alvenaria de tijolo furado, enquadrado por uma estrutura reticulada de betão armado”, totalmente coberto e fechado protegendo das intempéries os utilizadores (vendedores e clientes) deste espaço, garantindo-se a ventilação e iluminação por meio dos vãos de grande dimensão previstos.
Atendendo ao facto deste equipamento se destinar à população rural, que não procurará de forma regular produtos hortícolas e seus derivados porque a terra lhes provê, mas, essencialmente, peixe (o produto de maior carência nesta localidade), a distribuição dos espaços interiores do mercado procura responder a esta diferenciação de forma equitativa colocando em zona central o espaço destinado à venda de peixe e hortícolas e lateralmente os restantes espaços. Encontram-se nesta última situação, os talhos; os espaços de venda de “animais de penas e pelo”; as lojas; as instalações sanitárias para homens e para mulher; as áreas de serviços de apoio e gestão do espaço, como sendo: matadouro de espécie de pequeno porte; câmaras de refrigeração; gabinetes do fiscal e do veterinário.
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Localização
Estado e Utilização
Para citar este trabalho:
Arquitectura Aqui (2024) Mercado Municipal, Moncarapacho, Olhão. Acedido em 21/11/2024, em https://arquitecturaaqui.eu/obras/23571/mercado-municipal-moncarapacho-olhao