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Testemunho de António Moura, Montalegre

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Testemunho de António Moura, Montalegre

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Registo da Observação ou Conversação

Testemunho de António Moura, engenheiro e trabalhador na Quinta da Veiga de Montalegre, recolhido em conversa, em outubro de 2023, com as investigadoras Ivonne Herrera-Pineda e Catarina Ruivo.

Engenheiro agrónomo de profissão. Começou a trabalhar na Quinta da Vega (posto experimental) em 1971. Em 1983 foi para a Guiné, durante a guerra colonial, para trabalhar em topografia. Posteriormente, trabalhou em vários cargos e entidades ligadas à agricultura, como por exemplo, fazendo inspeções de campo, tanto para o Posto Experimental como para a Direção Regional de Agricultura.

António Moura fala-nos da inovação arquitetónica que o posto experimental implicou. Por exemplo, resolveram um problema grave e frequente que a população tinha nas suas quintas, em que os vitelhinos morriam devido à falta de ventilação e à propagação de doenças respiratórias, sobretudo pneumonia.

(Em outras quintas) "A ventilação é feita um orifício aqui e um orifício para colar na mesma direção. Resultado? O que vai acontecer é que o ar frio entra e vai direto aos animais. No posto experimentar ao contrário. A ventilação, a ventilação é muito específica, em que o ar entra e vai direto ao teto. E do outro lado a mesma coisa. Resultado? No teto. Vamos ver, são tetos altos, um teto bastante elevado. Quando o ar chega cá abaixo para os animais, já há um ar semiaquecido. Já não há aquela diferença de temperatura. Eu ainda não encontrei em mais estábulo nenhum uma obra com essa precisão".

***

- António: Vocês já ouviram falar na Estação Fruteira da Alcovaça. A pereira rocha! A Estação Fruteira da Alcovaça era lá que se fazia todos os estudos sobre determinado tipo de fruteiras: o caso da macieira, o caso da pereira. Uma coisa enorme, uma coisa lindíssima. E os porta-enxertos! Os porta-enxertos das fruteiras da Alcovaça eram feitos aqui na Quinta da Veiga, no Posto Experimental. Aqui fazia-se o porta-enxerto. E depois ia lá para baixo para eles enxertarem a pereira e a macieira, e terem o produto que têm hoje. A roxa ainda hoje é um produto a nível nacional. Mas o porta-enxerto era de cá.

- Investigadora: Ou seja, que novas tecnologias ou novas técnicas eram feitas no posto experimental e…?

- António: Não todas, não todas, e depois tinham o complemento com outras estações. Nós, por exemplo, aqui tínhamos ensaios com a Universidade de Vila Real – que ainda não era uma universidade, no meu tempo ainda era instituto (Instituto Politécnico). E com a Universidade de Vila Real tínhamos ensaios com uma divisão de batata de semente de Lisboa. E todos os anos mandávamos… Houve um ano que me mandaram 144 variedades de batatas para ensaio! 144 variedades de batata para ensaio.

- Investigadora: e o qué faziam com isso?

- António: Então plantávamos a batatinha, fazíamos a adubação que era aconselhada em função da nossa terra, em função da nossa terra! E depois saíam os registos todos. E no fim, pesava-se. E essa batata ia para Lisboa, para uma estação experimental também, que era a estação de [?] E um deles no ano seguinte, com a produção de Montalegre, iam ver qual era da todas as variedades a que tinha mais produtividade, a que tinha mais qualidade, a que tinha melhor manutenção, e a que era mais bem aceita pelo mercado. Porque pode ter tudo, mas se não for aceita pelo mercado, não vai a lado nenhum.

- Investigadora: E os animais?

- António: Os animais tínhamos nem mesmo. Nós tivemos animais, quando eu fui para a exploração, só havia gado Barrosão. Tínhamos nessa altura, não posso precisar, mas talvez que? Mmm 19, 19 fêmeas e um reprodutor. Entretanto, em Vila Real, já, já na universidade, havia um senhor, um senhor que a mim marcou muito, que era o professor… um moço novo, seria mais ou menos a minha idade, dois anos mais velho, mas era um dinamismo, uma capacidade, uma iniciativa, uma coisa fora de série! Então, ele pediu -a quem? não sei, não é?- fizeram cá um ensaio com um par de suíços. Levaram gado Barrosão -portanto não houve negócios com dinheiro- quando levaram daqui gado Barrosão para a universidade, para completarem trabalhos que já estavam a ser feitos, e veio para cá o par de suíços, para iniciarem outros trabalhos, nomeadamente, a produção de leite. O Barrosão, o Barrosão tem, tem um leite espetacularmente bom, gordo, espetacularmente gordo, e coisa e coisa (…) Mas as produções unitárias, muito reduzidas. O pardo suíço tinha produções unitárias bastante mais elevadas, já, já muito próximas ao do gado de leite, o gado de leite. Tivemos esse ensaio, talvez que seja seis anos, com o pardo de suíço. E foi-se buscar uma outra variedade, a vila real também, que era o pardo alemão, um gado ainda mais vocacionado para a produção de leite. E eles continuavam lá com o trabalho do nosso Barrosão.

Outras questões -Produção de batata

“Entretanto, a parte oficial, entretanto neste país, houve uma senhora, uma senhora chamada Dona Matilde -eu conhecia pessoalmente, já muito velhinha- veio fazer um colóquio sobre a batata de semente. Essa senhora ajudou a criar a cooperativa da batata de semente. Nessa altura o primeiro dirigente que teve foi um senhor aqui da terra que era o tenente Canedo, que mais tarde foi presidente da Câmara. E o estado português quando se criou a cooperativa e quando viram a importância… a importância em termos económicos que a cultura tinha, reuniu técnicos e criou-se a legislação própria para proteger a qualidade da batata de semente (…) e então nós primeiro ensinávamos, a detetar doenças, doenças da batedeira a olho, na parte vegetativa da planta. Primeiro ensinávamos isso. Entretanto saiu uma legislação, que não era permitido fazer batata, abaixo de 200 metros de altitude, batata semente”.

Uma nova legislação proibiu o cultivo de batata semente abaixo de 200 metros de altitude devido à propagação do afídeo (uma doença da batata). Mais tarde, nos anos 90, estudos mostraram que acima de 800 metros essa doença já não tinha grande viabilidade de sobreviver.

Outras questões - Comunidade

Por exemplo, uma cegada. Uma cegada era de cereal, cegada, centeio. Numa cegada, a aldeia inteira intervinha. Vou-vos dizer uma outra coisa, que não abona muito a minha terra. Havia muitos que até só apareciam porque sabiam que iam matar a fome. O dia de cegada era um dia de fartura. A malhada era a mesma coisa. O arranque das batatas era o mesmo. Entretanto, as pessoas começaram… ou a imigração -ou a fuga, não- a saída da gente mais jovem. Segundo, os que ficaram começaram a ter um poder económico diferente. Até porque o filho ou a filha mandavam (19:44) XXXXX espetáculos de vez em quando para os velhinhos, para os mais velhos. Começaram a ter uma situação económica muito mais desafogada, e todas essas tradições se foram perdendo. Até se perdeu a tradição da matança do porco. Era uma festa. Eu fui a matanças (…) era uma coisa espetacular.

Outras questões (aldeias de Montalegre)

“Eu sou de uma aldeia que fica a 14 quilómetros daqui de lá. Paredes do Rio (…) É uma coisa lindíssima, lindíssima, lindíssima. Mas a minha aldeia com 270 habitantes agora tem 37. Vocês vejam isso, mais de metade são da minha idade, ou mais velhos que eu (…) A minha aldeia só tem estrada desde 1973. A minha aldeia, só teve luz, luz elétrica, em 1968”.

A recolha e a sistematização deste testemunho oral foram elaboradas por Ivonne Herrera Pineda, com base numa entrevista realizada em dezembro de 2023.

Para citar este trabalho:

Arquitectura Aqui (2024) Testemunho de António Moura, Montalegre. Acedido em 21/11/2024, em https://arquitecturaaqui.eu/documentacao/notas-de-observacao-ou-conversacao/30074/testemunho-de-antonio-moura-montalegre

Este trabalho foi financiado pelo European Research Council (ERC) – European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme (Grant Agreement 949686 – ReARQ.IB) e por fundos nacionais portugueses através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto ArchNeed – The Architecture of Need: Community Facilities in Portugal 1945-1985 (PTDC/ART-DAQ/6510/2020).