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Quartel dos Bombeiros Voluntários de Miranda do Douro

Durante 20 anos, foram considerados 7 terrenos diferentes na cidade de Miranda do Douro para a implantação de um novo Quartel para os Bombeiros Voluntários. Para estes terrenos, desenvolveram-se 5 projetos completamente diferentes, elaborados entre 1968 e 1979 pelo mesmo arquiteto mirandês, Carlos Alberto Coelho Garcia. A dificuldade em encontrar terreno para o novo quartel e o longo processo que decorreu desde a primeira conceção de um novo espaço para os Bombeiros até à tardia inauguração do Quartel que hoje existe em Miranda do Douro, é explicada por Hermínio Augusto Bernardo (2010, p.125), antigo presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Miranda do Douro:

 

“As peripécias que envolveram a construção do Quartel-Sede desta Instituição traduzem, neste caso e acima de tudo, a dificuldade de conciliar a vontade de quem decide, com o empenho de quem pretende um espaço condigno para albergar a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários”

 

Segundo o mesmo autor, a Associação terá sido criada em 1959, datando os seus estatutos de 1960. Até à construção do novo quartel, inaugurado em 1982, as instalações dos bombeiros eram precárias, em edifícios pré-existentes que arrendavam no centro da cidade muralhada. Bernardo refere, no seu livro, que as primeiras instalações dos Bombeiros foram na rua D. Turíbio Lopes, nº 4, tendo posteriormente alargado para o edifício da Praça D. João III “O Casarão”, que se manteve como Sede-Quartel até 1982.

O primeiro anteprojeto para o novo Quartel, de 1966, foi concebido para a zona nascente da cidade intramuros, aproveitando o edifício existente do Convento dos Frades Trinos e os seus terrenos anexos. Na memória descritiva, o arquiteto descrevia a necessidade de um quartel de bombeiros, referindo a “intranquilidade dos seus habitantes motivada pela falta deste órgão”, já que “nesta localidade [é] usada em certa abundância a combustão de lenhas, e (…) a quase totalidade das casas têm na sua construção o emprego de tetos e soalhos de madeira”. A isto, acrescentava-se um problema da “época actual, (…) a necessidade de prestação de socorros ao automobilismo”.

Este projeto foi integrado no Plano de Melhoramentos do Concelho de Miranda do Douro pela Direção-Geral dos Serviços de Urbanização, cuja apreciação do projeto reconhecia “a dificuldade de em Miranda se conseguir melhores terrenos” e valorizava a integração do Quartel numa zona então destinada a edifícios de caráter público, onde existia o Tribunal, o Grémio e se previa a construção de um conjunto escolar. No entanto, em maio de 1970, a Junta Nacional da Educação da Direção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes emitiu um parecer contrário. Referia-se que a “cidade de Miranda do Douro deve merecer de todas as entidades responsáveis pelo seu desenvolvimento e valorização um cuidado muito especial pela defesa das suas características próprias”, sendo seu parecer que “o estudo dos alçados e volumes do presente projecto tem de ser revisto no sentido de se conseguir uma integração adequada”.

Em 1972, o arquiteto Carlos Garcia produziu um novo projeto, num novo terreno, agora situado fora da cidade muralhada, num terreno situado junto à Rua da Terronha. Apesar das significativas diferenças de contexto, o novo projeto mantinha uma organização funcional, volumetria e aparência exterior semelhante ao de agosto de 1968. Embora apreciado favoravelmente pela Direção-Geral dos Serviços de Urbanização, este projeto também não chegou a ser executado.

Cinco anos mais tarde, entre março e maio de 1977, discutia-se na Câmara Municipal de Miranda do Douro uma nova localização para o Quartel, agora em terreno cedido pela EDP junto à Pousada de Santa Catarina. A escolha desta localização não foi unânime. Enquanto três dos vereadores da Câmara valorizavam as condições vantajosas propostas pela EDP, o presidente e um quarto vereador defendiam a manutenção do sítio “como reserva futura - podendo ser utilizado para futura construção de uma unidade hoteleira”. No entanto, por maioria, foi, a 4 de abril de 1977, “deliberado autorizar, por parte da Câmara, a implantar o edifício do quartel sede dos Bombeiros Voluntários de Miranda do Douro junto à Pousada de Santa Catarina, do lado Norte, em terreno pertencente à EDP”.

O novo projeto para este terreno mantinha uma organização interna semelhante ao projeto de setembro de 1972, mas apresentava agora uma aparência exterior significativamente diferente. Na sua memória descritiva e justificativa, o arquiteto deixou clara a sua opinião sobre os sucessivos entraves, referindo que “os Bombeiros Voluntários, como organização, representava um íntima união do elemento humano, onde o egoísmo é ignorado e onde não só o amor ao próximo é aumentado, como a inteligência, no encaminhamento de uma maior compreensão e harmonia”. Tal era demonstrado pelo “interesse de toda a população de Miranda do Douro”. Assim, o “projecto traduz a vontade da população, que tudo tem feito para ter o seu Quartel”.

No início do verão de 1977, um conjunto de Bombeiros, em protesto contra o prolongamento do processo de construção do novo Quartel, ocuparam o Museu da Cidade - então em obras - com as suas viaturas. Em julho do mesmo ano, o presidente da direção dos Bombeiros explicava o sucedido. Informando que o edifício utilizado pelos Bombeiros ameaçava ruir, referia que os “adiamentos verificados, as dificuldades levantadas com a localização do terreno, as dúvidas constantes com esta ou aquela justificação, levaram os Bombeiros a recolher as viaturas nos baixos do edifício em causa para chamar a atenção da Câmara Municipal quanto à necessidade de construção urgente de novo Quartel”. Mais, explicava, os “bombeiros não pretenderam fazer ocupação do edifício em causa, porque tendo-o à sua disposição e tendo logo na ocasião o apoio de populares, não o fizeram”.

Apesar dos protestos, em agosto de 1977 a Direção de Urbanização de Bragança emitiu um parecer desfavorável relativamente à localização proposta para o edifício, que se considerava uma zona a salvaguardar “a todo o custo visto que irá perturbar a panorâmica da barragem”. No mesmo mês, a Direção-Geral do Turismo emitiu um parecer concordante, onde se expressava a opinião de que a implantação escolhida “virá comprometer grandemente o enquadramento e tranquilidade da Pousada” e se solicitava que se considerasse a possibilidade de outra localização, tendo em atenção “a vantagem que o turismo representa para essa região”. As comunicações emitidas pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre agosto e outubro reforçavam esta opinião.

Assim, a 4 de setembro de 1977, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Miranda do Douro emitiu um comunicado à população do concelho. Neste, a Associação apresentava-se em oposição ao presidente da Câmara, dizendo ser “infelizes ao termos o Senhor Presidente da Câmara, Doutor Rui Sanches da Gama, contrário a tudo isto. Explora MONUMENTOS NACIONAIS, TURISMO, URBANISMO, ETC., ETC., só para arranjar argumentos que lhe defendam a sua posição”, e alertava “todos os Sócios desta Associação, toda a População local e Concelhia que a Luta será iniciada a partir de hoje, não por nós BOMBEIROS, mas por todos, por toda a População”. Com este comunicado, os Bombeiros declaravam greve a partir do dia 8 de setembro.

Entretanto, entre julho de 1977 e maio de 1978, o arquiteto Carlos Garcia e o executivo da Câmara Municipal de Miranda do Douro continuaram a propor possíveis terrenos para implantação do novo Quartel.

Treze anos após a apresentação do primeiro projeto, em julho de 1978, foi finalmente definida a implantação definitiva do Quartel, por despacho do Secretário de Estado. O novo, e último, projeto de Carlos Garcia recebeu pareceres favoráveis das diferentes entidades e, em novembro do mesmo ano, foi concedida uma comparticipação de 10.400.000$00 pelo Fundo de Desemprego para a sua construção.

Os trabalhos de construção do novo Quartel decorreram entre outubro de 1979 e 1982. A 17 de outubro deste ano, o Quartel foi inaugurado publicamente, com um programa que incluía “recepção às entidades e corporações do distrito”, “exibição das fanfarras dos B. V. De Macedo de Cavaleiros e Zamora”, “missa por alma de sócios e bombeiros falecidos”, concentração e “desfile até ao novo quartel”, inauguração presidida pelo ministro da Administração Interna, almoço no refeitório da Escola Preparatória de D. João III e “exibição de um grupo folclórico da região”.

No entanto, logo aquando da entrada em funcionamento do Quartel, começaram a ser notados problemas relacionados com o terreno finalmente escolhido, que resultava na sua implantação na encosta sobre o rio Fresno. Em 1987, após investigação pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, esta entidade constatava que as fundações não atingiram todas a formação granítica, o que conduz a “assentamentos diferenciais que se revelaram importantes, a ponto de conduzirem a fendas de alguns centímetros que foram sendo refechadas”. Para além disto, verificou-se que o muro de suporte dos aterros apresenta “barrigas” em certas zonas, “sinal evidente de que não está a preparado para suportar os impulsos das terras”. Considera-se que “o mais importante é garantir imediatamente a estabilidade do muro de suporte […] cuja rotura poderá arrastar todo o edifício”.

Décadas mais tarde, foi construído um novo edifício em terreno adjacente, para acomodar o crescimento dos Bombeiros, do seu equipamento e parque de viaturas. No encontro Cumbersas ne l Arquibo: Arquitetura Aqui em Miranda do Douro, que se realizou no Arquivo Municipal a 16 de julho de 2023, referiu-se, com alguma preocupação, a escolha do mesmo local para a ampliação das instalações do Quartel. “E não contentes, cometeram outro erro há pouco tempo. Foi fazer outra construção ao pé daquela”, referiu um dos participantes, explicando que “é evidente que estando o aquartelamento feito, fazendo um acrescento tinha de ser ali. Mas aquele tem problemas estruturais que nunca mais vão ser resolvidos”. Outro participante no encontro referiu ainda que, embora tenham existido propostas para a deslocalização do Quartel dos Bombeiros, a direção tomou a decisão de o manter no local onde foi construído em 1982, alargando aí o seu edificado. Entre os participantes, considerou-se esta uma oportunidade perdida.

Se tem alguma memória ou informação relacionada com este registo, por favor envie-nos o seu contributo.

Notas

Momentos-chave (clique abaixo para mais detalhe)

Data de Conclusão
1982
Atividades 3

Localização

Comunidade
Morada
N218
Distrito Histórico (PT)
BragançaDistrito Histórico (PT)
Contexto
UrbanoContexto
InteriorContexto

Estado e Utilização

Utilização Inicial
Estado
ConstruídoEstado da Obra

Documentação

Registos e Leituras 5

A informação constante desta página é fruto do trabalho de Catarina Ruivo e Ivonne Herrera e foi reunida através de diferentes fontes documentais e dos diversos contributos e testemunhos que pudemos recolher em Miranda do Douro, que permanecem anónimos. Conta ainda com a preciosa informação partilhada pelos vários participantes do evento Cumbersas ne l Arquibo, realizado em 16 de junho em 2023 com a colaboração do Arquivo Municipal de Miranda do Douro, sobre o tema Arquitetura Aqui em Miranda do Douro: O Arquivo Vivo da Nossa Memória. 

Para citar este trabalho:

Arquitectura Aqui (2024) Quartel dos Bombeiros Voluntários de Miranda do Douro. Acedido em 21/11/2024, em https://arquitecturaaqui.eu/obras/1672/quartel-dos-bombeiros-voluntarios-de-miranda-do-douro

Este trabalho foi financiado pelo European Research Council (ERC) – European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme (Grant Agreement 949686 – ReARQ.IB) e por fundos nacionais portugueses através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto ArchNeed – The Architecture of Need: Community Facilities in Portugal 1945-1985 (PTDC/ART-DAQ/6510/2020).