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Testemunho de Diogo Dias, Montalegre

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Testemunho de Diogo Dias, Montalegre

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Registo da Observação ou Conversação

Testemunho de Diogo Dias, bombeiro de Montalegre. Testemunho recolhido pelas investigadoras Ivonne Herrera-Pineda e Catarina Ruivo, em conversa no quartel dos Bombeiros Voluntários de Montalegre, em outubro de 2023.

Diogo é um bombeiro de 19 anos, que acaba de concluir uma formação paralela em mecânica e continua a formar-se como bombeiro. Gostaria de dedicar-se ao mundo rural, nomeadamente a través de um projeto de desenvolvimento rural, em cuja conceção já está a trabalhar. “Eu tinha essa intenção. Os meus pais também têm esses projetos de agricultura. E como já estou por dentro disso, que já desde os meus pais... desde pequenino…”

Bombeiros

A profissão de bombeiro permite-lhe conciliar o trabalho com outras atividades, graças à flexibilidade do seu horário de trabalho. Por exemplo, pode tratar dos seus animais de manhã cedo, ou pôde continuar as suas atividades de bombeiro enquanto se formava como mecânico. Este último foi possível porque trabalhava aos fins-de-semana como bombeiro voluntário. Mais tarde, durante a época de incêndios, fazia parte de um grupo que ficava todo o dia no quartel dos bombeiros. Isto era possível porque coincidia com as suas férias como estudante de mecânica.

Posto experimental

- Diogo: O posto experimental foi feito para a criação de raças e cruzamentos. Por exemplo, pegar uma raça de uma vaca e juntar com outra para ver o que dava, para ver a linhagem que saía. Hoje em dia os agricultores daqui, temos a raça Barrosã que é mesmo daqui de Montalegre, da vila. É do Barroso no geral, mas foi aqui na vila que nasceu, e hoje em dia há mais fora. Por exemplo, em Vieira do Minho, que não é de Barroso, há mais Barrosas do que aqui. E então, isso também, essa coisa de raças de experimentação também veio estragar um bocadinho essa cultura. Mas era um bom investimento, que é uma terra ligada à agricultura. Mas estragou isso um bocadinho, porque a maior parte daqui usa a raça já de fora, que é a raça espanhola, por exemplo, a galega e a charolesa e assim, já não é raças mesmo ditas daqui da região.

- Investigadora: E isso por quê? Porque se experimentou com esse cruzamento?

- Diogo: Sim, porque, imagina, um vitelo de uma raça, por exemplo, da Rúbia, a galega, em cinco meses põe duzentos e poucos quilos de carne pesada, enquanto um Barroso precisa de um ano para fazer isso. Mas, por exemplo, na minha opinião, se fosse agora a pôr num projeto, por exemplo, dos animais, eu punha a raça daqui. Para valorizar, porque essas raças precisam mais de alimentação à base de químicos, que é rações, por aí adiante, enquanto o Barroso nasce, está até aos oito meses de um ano, no meio do monte com as vacas e não come ração, e consegue fazer os mesmos quilos, só que demora mais, mais um bocadinho. E isso foi o que as pessoas começaram a fazer, ter a produção mais rápida.

- Investigadora: E isso foi motivado pelo posto experimental?

- Diogo: Foi um dos grandes motivadores, que tinham aqui as experimentações das raças, tinham as logo aqui, porque aqui faziam recolha de sêmen (XXXX min 27:32), tinham as logo aqui… E aproveitaram, mas, para mim, foi estragar a raça daqui. Porque a raça Barroso, hoje em dia há pouca criação aqui.

Escola Preparatória D. Nuno Álvares Pereira (atual Cercimont)

- Diogo: "Acho que quando entrei tinha para aí 600, 700 pessoas. Hoje em dia acho que não tem 250, por aí. Não sei se chega, também não vou lá muitas vezes agora, mas não deve ter assim muitas.

- Investigadora: E quando fizeram essas escolas novas foi quando fechou aqui a... (escola preparatória Nuno Álvares)?

- Diogo: Sim, fizeram ao lado de baixo. Eu fiquei aqui até ao terceiro ano. Quando acabei o terceiro ano, comecei lá em baixo, o quarto ano”.

-Diogo: "Era um bocadinho frio, mas… Quando eu estava na… eu me lembro, por exemplo, da pré, quando estava nas suas condições mínimas, era confortável! Tinha aquecimento, assim, já. Não entrava frio, nem nada. E depois, depois começou a degradar, degradar, depois fizeram a escola lá em baixo.

- Investigadora: Por causa de que estava mais degradado ou já era um...?

- Diogo: Não estava assim… mas precisava de inovar porque ali ainda era, por exemplo, janelas de madeira. Mas lá em baixo já puseram janelas, por exemplo, destas de alumínio. Que já era outro isolamento, mas… sinceramente, acho que vai durar mais aquela (escola preparatória Nuno Álvares) do que está a durar lá em baixo”.

- Investigadora: E deste conjunto de Cercimont, qual era a tua zona favorita?

- Diogo: Era a parte do recreio atrás, na que se jogava com os colegas. Mas havia... era diferente.

- Investigadora: Sim, em que sentido?

- Diogo: Não havia tanta... Naquela altura não havia tanta... naquela altura não tinha responsabilidades, era só... eras criança… Por vezes gostava de voltar lá, mas… Ainda há pouco tempo fui lá dar uma volta e lembrei-me de muitas coisas que lá passaram. Me recordava da infância, e gostava de lá voltar.

- Investigadora: E de que te lembras, assim, que gostes… que possas partilhar, desse lugar?

- Diogo: Tinha algumas recordações... Umas menos boas, menos boas, talvez os meus colegas aleijarem-se, ou eu mesmo. Mas juntavam-se, era sempre... a hora do meio-dia era sempre ir à cantina comer. Tínhamos sempre a senhora que nos dava na cabeça se não comêssemos a sopa. Tínhamos sempre o porteiro que gostávamos muito, que era… Ainda hoje em dia, às vezes, o vejo, passo por lá às vezes, e ponho-me a falar com ele dessa altura. Que era muito amigo da gente, sempre ali, metia-se connosco e assim.

(…)

Depois era… sair da cantina, a coisa que fazíamos todos era ir jogar à bola. Todos para ali, para aquela parte de trás do Cercimont. Juntávamos lá todos, não era um campo, mas... fazia-se como um campo. Na altura aquilo era enorme, hoje em dia parece pequenino.

- Investigadora: A cantina onde estava?

- Diogo: Era no edifício lá em cima, mais encostado ao monte.

- Investigadora: E a iluminação dentro como é?

- Diogo: Era…já era luz assim, tipo daquelas, assim, mais modernas. Não tão modernas como o LED, mas... mas era...

- Investigadora: As janelas são luminosas, ou seja, entra bastante luz?

- Diogo: Sim, entra.

- Investigadora: Agora vai ser demolido… Tens pena ou…?

- Diogo: Sim, tenho. Tenho muita pena, porque aquela escola... os meus pais já lá andaram, muita gente. Vieram para aqui fazer o quinto e sexto ano. Antes não havia aquela, aquela cá em baixo. E quando os meus pais vieram, era aqui.

- Investigadora: E será que os teus pais, quando chegaram a essa escola, estava nova? Era quase recente?

- Diogo: Sim, quase recente. Na altura dos meus pais era, porque foi quando foi aquela altura nas aldeias só havia até o quarto ano. E depois passavam para aqui, para... vinham para Montalegre estudar. Foi quando começaram a vir para aqui muita gente.”.

(…)

- Investigadora: O que opina a gente da demolição do Cerci, por exemplo?

- Diogo: Eu... na minha opinião, não devia de ser demolido. Acho que devia... ser como foi até agora, desde que deixou de ser escola. Para essas empresas, assim, mais pequeninas, que precisam de um espaço para... para ter um... um sítio onde trabalhar. Por exemplo, para a Cercimont, acho que foi uma ajuda muito grande. Para ter ali as pessoas. Para a Cruz Vermelha, igual (antiga escola primária de Montalegre). Foi um ponto para eles começarem a... a expandir.

Mas, acho que isso não devia de ser demolido. Porque também...lá está, não sei o que é que ali vão fazer, também, com a demolição daquilo.

- Investigadora: Como é que vão usar aquele espaço?

- Diogo: Já ouvi várias teorias que isso é um estacionamento. Por isso... mas… é muita história que se bota abaixo”.

Outras questões- Jovens e êxodo rural

Diogo dá-nos uma visão da situação dos jovens em lugares como Montalegre. Fala-nos do êxodo rural e da falta de oportunidades de emprego. A maioria dos jovens de Montalegre parte para as grandes cidades, como Braga, Vila Real, Porto ou Lisboa.

Quando lhe perguntamos se tem amigos que trabalham nas zonas rurais, Diogo responde: “Tenho, mas assim… trabalhando na agricultura não… não há tantos, porque aqui estão muitos a sair para a cidade. Hoje em dia, do meu ano, estamos no máximo cinco pessoas aqui, aqui em Montalegre mesmo. O resto está tudo a estudar fora”.

“As oportunidades, aqui só temos uma fábrica que é de fumeiro, mas lá não há vagas para entrar. E aqui também temos outra oportunidade de trabalho, os cafés, assim, restauração. E na agricultura, nem tanto, só quem tenha, os pais que tenham… porque aqui não há, agricultura com empregados há pouco. E os empregados que é… os mais velhos e já lá estão naquela casa há muitos anos. E tem a Câmara e pouco mais, postos de trabalho tem aqui os bombeiros e pouco mais. Por isso é que toda a gente sai”.

“Muita gente quer a cidade, daqui. Conhecem coisas novas. É muito maior. Tem mais... as coisas mais perto deles. Enquanto que aqui só precisa ir, por exemplo, a um hospital, já temos que ir a Chaves ou a Vila Real. Por exemplo, uma grávida para ter um filho tem de ir a Vila Real. Enquanto no Porto, se estiver em casa, se calhar em 5 minutos tem um hospital”.

Outras questões- Comunidade

“E aqui o que se está a passar também é perder muita tradição. Por exemplo, a maneira de trabalhar as terras como antigamente já não se usa. Que é, por exemplo, as vacas... E está-se a perder isso. Antigamente não havia trator, trabalhava-se com as vacas. E eu acho que daqui por vinte anos já ninguém sabe... a maneira de engatar uma vaca para trabalhar ou não sabe engatar um cavalo para trabalhar, só... só sabe andar no trator. Acho que é uma coisa que a tradição da terra sempre foi isso até aqui, e vai acabar, vai morrer. É como, por exemplo, as tradições da matança aqui. Por exemplo, agora aqui a Feira do Fumeiro obriga a ir ao matadouro para certificar e assim. E quando aconteceu isso, perdeu-se a tradição das matanças. Porque antigamente as matanças... Antigamente fazia a matança em casa. Se calhar, ficava um custo maior, mas era tradição. E eram dois dias que era a matança mesmo, e depois a desmancha do porco. E juntava-se sempre a gente, era uma maneira de se juntar à aldeia e assim, as pessoas amigas. Agora hoje em dia não há nada disso”.

A recolha e a sistematização deste testemunho oral foram elaboradas por Ivonne Herrera Pineda, com base numa entrevista realizada em outubro de 2023.

Para citar este trabalho:

Arquitectura Aqui (2024) Testemunho de Diogo Dias, Montalegre. Acedido em 21/11/2024, em https://arquitecturaaqui.eu/documentacao/notas-de-observacao-ou-conversacao/30006/testemunho-de-diogo-dias-montalegre

Este trabalho foi financiado pelo European Research Council (ERC) – European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme (Grant Agreement 949686 – ReARQ.IB) e por fundos nacionais portugueses através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto ArchNeed – The Architecture of Need: Community Facilities in Portugal 1945-1985 (PTDC/ART-DAQ/6510/2020).