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Conversa com António Almeida, Porto de Mós

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Identificação

Título
Conversa com António Almeida, Porto de Mós
Data
2024.12.10

Conteúdo

Registo da Observação ou Conversação

Registo da conversa mantida com António Almeida no Fórum Cultural de Porto de Mós, a quem muito agradecemos a generosa partilha e a disponibilidade para conversar sobre as suas experiências e sobre a história da Casa do Povo de Porto de Mós. António Almeida é membro da direção do Fórum Cultural. Está reformado, tendo sido funcionário judicial no Tribunal de Porto de Mós.

A entidade conserva documentação da Casa do Povo, contendo correspondência relativa à construção da sede, terminada em 1978. O processo começou em 1971, com um pedido da Casa do Povo dirigido à Câmara Municipal de Porto de Mós "desejando elaborar o projeto da nova sede e serviços sociais", no qual solicitam o alinhamento para construção do edifício. Na altura, era Presidente Joaquim da Graça Santos, mas os fundadores foram outros – a Casa do Povo foi criada em 1956. Na zona onde se pretendia construir a sede havia uma estrada nacional, agora é uma rua. Era uma zona de cultivo, “era muito longe de Porto de Mós”. Antes da transição para o novo edifício, a Casa do Povo estava num edifício arrendado, entretanto demolido, onde hoje estão os CTT.

A Casa do Povo adquiriu terrenos através de receitas próprias, no valor de 370.000$00. Obteve a isenção de sisa, por intervenção do Ministério das Corporações. Os trabalhos de construção estavam dependentes de aprovação do Subsecretário de Estado do Trabalho e Previdência. Foi a Junta Central das Casas do Povo que pagou o projeto. Em 1974, a Câmara Municipal perguntou se a construção do edifício estaria para breve; estava satisfeita por ser um melhoramento para a vila, mas apontou que ainda não fora requerida a necessária licença.

José Faustino dos Santos foi o empreiteiro que fez o edifício, havendo a dada altura solicitação do aceleramento da construção da nova sede. Os trabalhos foram iniciados em 1975, em 1977 o empreiteiro assegurou que os concluirá (sabe-se que, nessa altura, a sede não estava preparada para receber o mobiliário). O empreiteiro era de Évora, no verão quente de 75 trouxe trabalhadores alentejanos, o que originou alguns conflitos com homens de extrema-direita de Porto de Mós, que inclusive se reuniram para matar os trabalhadores por os considerarem comunistas.

Em 1975 já estava de pé o grosso do edifício, tudo em tosco ainda. Dois anos depois começou a haver problemas, havia coisas que no caderno de encargos que não estavam a ser cumpridas. “Então aqui começou a desenrolar-se uma espécie de uma telenovela”. Com a demora, a Câmara fez queixa, pois apesar de em julho de 1976 o edifício estar quase concluído, temia-se a perda de uma verba de 200.000$00 para recheio e mobiliário dado que ainda não estava terminado. Em 1978, depois da conclusão da obra foram feitas várias vistorias; uma, por exemplo, decorreu em 1978.

Quem estava na direção da Casa do Povo era “necessariamente da situação”, e no pós-25 de abril houve alguns saneamentos. Foi difícil arranjar direções legalmente eleitas, pelo que se constituíram comissões administrativas. Houve algumas querelas no seio da Casa do Povo. De início, foi gerida por pessoas influentes da vila, mesmo que fossem agricultores ou empreiteiros – só o primeiro dirigente era formado. Após a revolução de 1974, houve separação das pessoas: primeiro tudo se assumiu de esquerda, mas depois as pessoas viram que “já não há problema dizer que somos de direita”. Os partidos sentiram necessidade de se juntar às associações, o que foi um problema para a Casa do Povo; após o 25 de Abril, foi essencialmente ocupada na direção por pessoas afiliadas ao CDS. Isto impediu que muitas pessoas viessem aos bailes e festas, os eventos passaram a ser por convite pessoal. Seguiram-se direções que tiveram muita dificuldade em dinamizar atividades, verificando-se falta de adesão e prejuízo.

A Casa do Povo também teve vertente de assistência e saúde, logo no início, antes de se mudar para o edifício anterior. Mas o gabinete médico nunca funcionou na sede construída na década de 70, pois o serviço foi extinto com a revolução. A Segurança Social chegou a funcionar durante algum tempo nas instalações da sede.

António Almeida partilhou algumas fotografias da inauguração da Casa do Povo na Praça da República, onde foi o café do seu avô. Também fotografias do protocolo com o posto médico, que funcionava num edifício ligeiramente mais acima, próximo dos CTT. Tinha uma sala de espera, tinha 2 degraus, e o consultório. E fotografias da vertente cultural, e de férias numa praia de Leiria com a Cáritas para idosos. Houve também um grupo de música, um grupo de karaté - era a única instalação que existia na altura em Porto de Mós. Teve uma boa atividade, mas sempre de acordo com os interesses da direção.

A Casa do Povo foi extinta em 2009, altura em que foi constituído o Fórum Cultural, com alteração dos estatutos. Manteve-se na mesma sede, com o fim de desenvolver atividades culturais e recreativas e ser um polo aglutinador de instituições dessa natureza; é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos. Podem ser sócios todas as associações do concelho legalmente constituídas, que tenham por finalidade desenvolver as atividades de carácter cultural e recreativo e que sejam mandatadas pela Assembleia Geral. Também há sócios não efetivos, singulares (qualquer pessoa que não esteja numa associação). Refere alguma dificuldade da população em adotar o nome Fórum Cultural, "as pessoas ainda não se esqueceram que isto é a Casa do Povo".

Nota que atualmente há pouco interesse pelo associativismo, quer por parte dos idosos, quer por parte dos jovens. Há também o problema da dificuldade em angariar dirigentes, e as mesmas pessoas acabam por andar a revezar-se nos vários cargos durante muitos anos, ficam presos. “No meu grupo de teatro temos o problema que estamos a ficar todos idosos”. Iniciou um grupo de teatro juvenil, começou em novembro 2024, com 5 jovens, mas nota que são pouco pacientes e querem logo começar a representar peças.

Atualmente, o Fórum Cultural é composto por 5 associados, autónomos, com estatutos próprios e obrigação de pagar uma quota anual. Com a extinção da Casa do Povo, decidiu-se congregar várias associações de Porto de Mós sem instalações. Os associados são: o grupo coral (o mais antigo, proveniente do tempo da Casa do Povo); o grupo de teatro Trupêgo (que António Almeida dirige); a Banda Recreativa Portomosense (que tinham sede a expensas da Câmara na antiga cadeia, sem condições; usam as instalações para fazer espetáculos); a Associação Cultural O Castelo (fundamentalmente dedicado à marcha popular de São Pedro); a Escola de Karaté de Porto de Mós (desde início funcionavam numa sala no pavilhão gimnodesportivo). Para além disso, o Fórum Cultural faz protocolos com outras entidades, como a Associação de Regantes do Rio Lena, que por não ter sede, se associou para receber a correspondência nas instalações. Também colabora com a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, por exemplo na dinamização de judo nas instalações, para alunos do 3.º ciclo, e alguns outros jovens que se queiram juntar.

Para angariação de fundos, conseguem alguns subsídios e fazem eventos, sendo o mais importante o das tasquinhas, durante as festas de São Pedro. Todos os associados trabalham pro bono.

No final da conversa, António Almeida teve a amabilidade de nos mostrar as instalações. Relatou os problemas em manter um edifício desta dimensão, pelo dispêndio monetário que envolve, havendo sempre qualquer coisa que necessita de ser arranjada; salientou a degradação das instalações, focando a necessidade de ter um investimento avultado.

Chegou a funcionar a Segurança Social no edifício, com guichets e secretárias numa sala hoje ocupada por frigoríficos para as tasquinhas, que vai ser transformada em cozinha.

O edifício possui um salão amplo, com uma placa (mezanino), colocada porque já não existe desporto. A zona do palco também já é recente (com zona de arrumos por baixo), pois o palco estava noutra parte do salão antigamente, junto à porta. O palco é maior que o do Cineteatro de Porto de Mós. Mudaram-se as instalações elétricas, por ter um pé direito muito elevado. A próxima obra a decorrer será nos camarins, onde era os balneários dos professores/treinadores de ginástica, para caber uma companhia de 5 a 6 pessoas; um outro em baixo servirá para mais pessoas. Visitámos a zona do palco antigo, onde talvez venham a ter aulas de yoga. Foi fechada; deixaram a viga e, se for necessário, é possível criar outra sala no topo.

Há também uma oficina do grupo de teatro, com todos os materiais e fatos. Trata-se de uma sala muito ocupada, onde fazem os cenários.

No piso superior, planeia-se um corredor com zona técnica; há uma sala para o grupo coral (onde ensaiam) com cozinha anexa (que deixará de ter essa função depois das obras na cozinha do piso inferior) e zona da sede das associações - que foi aproveitada para instalar o judo. Essa zona superior era a zona social, onde havia os bailes, e estava a televisão, tinha snooker e mesa de ping pong, jogava-se às damas, dominó e xadrez (jogar às cartas era proibido) - "praticamente era só frequentado por rapaziada".

A recolha e a sistematização deste testemunho oral foram elaboradas por Ana Mehnert Pascoal, com base numa conversa informal mantida em dezembro de 2024.

Para citar este trabalho:

Ana Mehnert Pascoal para Arquitectura Aqui (2025) Conversa com António Almeida, Porto de Mós. Acedido em 06/09/2025, em https://arquitecturaaqui.eu/pt/documentacao/notas-de-observacao-ou-conversacao/61084/conversa-com-antonio-almeida-porto-de-mos

Este trabalho foi financiado pelo European Research Council (ERC) – European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme (Grant Agreement 949686 – ReARQ.IB) e por fundos nacionais portugueses através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto ArchNeed – The Architecture of Need: Community Facilities in Portugal 1945-1985 (PTDC/ART-DAQ/6510/2020).