Edifício na Rua do Centro de Saúde, AljezurCentro de Assistência Social Polivalente (CASP), Aljezur
O processo que levou à construção do Edifício onde estava instalado o Centro de Saúde de Aljezur, iniciou-se em 1955 numa iniciativa conjunta entre a Santa Casa da Misericórdia de Aljezur (SCMA) e da Direção Geral da Assistência (DGA).
De acordo com o programa fornecido pela SCMA em 1955, a monda do arroz, no baixo Alentejo litoral, levava muitos adultos a abandonarem a povoação e as suas famílias em busca de trabalho sazonal, deixando as crianças ao cuidado de “mercenárias que as aloja[vam] em péssimas condições de higiene, conforto e promiscuidade a troco duma gratificação que oscila por 200 a 250$00 por temporada”. Esta situação levou a DGA a estudar a possibilidade de implantação de um equipamento naquela vila que, não só albergasse as mencionadas crianças, como também um “Centro Materno-Infantil com consultas pré-natais (e assistência domiciliária no parto) e consultas de puericultura e Pediatria” – um Centro de Assistência Social Polivalente (ou CASP).
O arquiteto Manuel Gomes da Costa foi solicitado para desenvolver o anteprojeto arquitetónico desta empreitada. Esse estudo inicial mereceu pareceres positivos logo em 1955, no entanto, o projeto final só foi aprovado em abril de 1956, sendo a comparticipação apenas incluída no Plano de Melhoramentos Urbanos de 1958.
A obra foi adjudicada em 1958 ao construtor civil José Gonçalves Vieira por 565.000$00, valor superior ao previsto, mas aceite por despacho ministerial dada a demonstrada falta que o Centro fazia à população. A obra iniciou-se a 20 de dezembro de 1958 e foi concluída em novembro de 1962. Durante este período de quase 4 anos o orçamento derrapou consideravelmente, acabando a obra por custar mais de 700.000$00. O Auto de Receção provisória foi lavrado a 15 de fevereiro de 1963, na presença de representantes da Direção de Urbanização de Faro (DUF) e da SCMA.
Em 1962 foi levantada a questão do apetrechamento do centro (mobiliário e equipamento), prontamente resolvida internamente pela própria DGSU, com projeto de Manuel Ferrão de Oliveira. A execução do apetrechamento foi adjudicada à Fabrica de Móveis Magol em setembro de 1963 pelo valor de 239.650$00, ficando concluída e instalada no centro em maio de 1964 (segundo Auto de Receção do mobiliário).
Em 1966 foi autorizada a inauguração do equipamento, no entanto, não nos foi possível identificar se esse evento terá ou não acontecido.
Em março de 1974, um relatório do Instituto de Assistência à Família dava conta de já não se mostrar necessário o serviço de infantário na comunidade, propondo que as instalações fossem destinadas a Centro de Saúde e, sobrando espaço no edifício, a instalar a Casa do Povo.
Segundo o relatório elaborado aquando da proposta de classificação do edifício como bem cultural, o edifício terá sido cedido em 1972 para a Administração Regional de Saúde do Algarve, tendo depois servido a comunidade enquanto Centro de saúde durante cerca de 30 anos.
No entanto, já em junho de1975, foi feita uma visita ao Centro por representantes da Direção Geral das Construções Hospitalares, Direção Distrital de Saúde de Faro, Gabinete de Planeamento do Algarve e Casa do Povo de Aljezur , com a intenção de dar um destino ao edifício “construído há cerca de 14 anos e que nunca entrou em funcionamento”. Não foi possível a partir da documentação obtida determinar quando é que o Centro de Saúde entrou em funcionamento
Em 1978 funcionava plenamente como Centro de Saúde oferecendo também serviços de maternidade. Esta situação prologou-se até 1998, quando foram construidas novas instalações para o Centro de Saúde de Aljezur. Desconhece-se se o edifício terá sido ocupado por mais atividades desde então, mas, pelo menos desde 2007 que o edifício se encontrava desocupado e em degradação acelerada.
Em 2010, a SCMA iniciou uma proposta de classificação como bem cultural, no entanto, a apreciação não foi favorável no sentido do interesse nacional, tendo sido proposto em seguida que fossem desencadeados os procedimentos para o interesse municipal. Este processo foi iniciado, mas não surtiu efeito e acabou sendo arquivado. Edite Borges, que investigou os CASPs no Algarve na sua tese de mestrado, inquiriu os órgãos camarários acerca deste assunto em 2020, tendo sido informada que não existia "qualquer processo conducente à classificação do referido imóvel".
Em 2024, aquando de uma missão de campo a Aljezur, averiguou-se que o edifício continuava a degradar-se e a rampa, que conferia um forte dinamismo moderno ao alçado sul, tinha colapsado.
Análise
Existem no Algarve seis edifícios projetados entre as décadas de 1950 e 1960 para Centros de Assistência Social Polivalente. Estes edifícios configuram um marco na produção arquitetónica da região, não só pela relevância social das suas funções, mas também pela linguagem arrojada (à época) que neles foi empregue por um grupo de jovens arquitetos.
São esse edifícios o Centro Infantil Maria Helena Rufino, em Olhão e a Casa da Primeira Infância, em Loulé dos arquitetos Manuel Laginha e Rogério Martins; o Lar da Criança em Portimão e Centro de Assistência Social Lucinda Anino Santos em Lagos do arquiteto António Vicente Castro; o Centro Infantil António Calçada em São Brás de Alportel, do arquiteto Manuel Martins Garrido e, claro, o edifício aqui em estudo, do arquiteto Manuel Gomes da Costa.
Ainda que episódios de modernidade não fossem estranhos à sociedade algarvia da altura, não seria habitual esta linguagem ser empregue em edifícios de cariz público com tamanha escala e exuberância. Foram, no entanto edifícios acarinhados tanto pelos órgãos estatais que os apreciaram, como pelas populações que os usaram (para mais informação sobre a difusão da arquitetura moderna no Algarve, veja-se o livro A Construção do Algarve).
No que toca ao programa inovador, os esforços remontam à primeira metade da década de 1940. O Estado procurou legislar a prática da assistência, tendo o Ministério do Interior fundado o Instituto Maternal, pelo Decreto-lei nº.32.541 de 1943. Pouco depois, em 1944, esse mesmo Ministério publicou, no Diário do Governo, a lei 1988 de 15 de maio que veio a estabelecer as bases gerais para a assistência social no país.
Apesar destes decretos denotarem uma crescente preocupação com a prestação de cuidados de saúde à população, estes não refletem uma verdadeira intenção de criar uma rede estatal de estruturas assistenciais. Expõe antes, uma intenção do Estado de se alicerçar em estruturas pré-existentes, como as Misericóridas, e apoiá-las para que dessem respostas mais efetivas na garantia de salubridade da população, prevendo, que estes apoios fossem apenas temporários e que, eventualmente, estas instituições deixassem de requerer o apoio estatal para o seu pleno funcionamento e manutenção das suas atividades.
Não obstante, na mencionada lei 1988 de 15 de maio de 1944, é possível encontrar, na Base XII (alínea b) do capítulo II), os elementos programáticos que definem o "Centro de Assistência Social Infantil" que viria mais tarde a dar origem à figura do "Centro de Assistência Social Polivalente".
A disseminação deste programa pelo Algarve, deve-se fortemente ao contributo do Dr. Joaquim de Brito da Mana, Diretor do Instituto Maternal de Faro e Chefe Distrital do Serviço de Saúde do Algarve, em colaboração com o Governador Civil do Distrito de Faro, Agostinho Pires (Agarez, 2016). Ainda para mais, Agarez aponta ainda para a possibilidade de ser Brito da Mana o responsável pela ligação deste programa a este género de arquitetura, tendo sido o arquiteto que lhe projetou uma moradia própria, Manuel Laginha, que viria a projetar os CASPs de Loulé e Olhão (em colaboração com o arquiteto Rogério Martins).
Os edifícios destinados a albergar CASPs do distrito de Faro, foram ao longo das suas vidas sendo cedidos pelas suas instituições promotoras para instalação de outros serviços de apoio social, nomeadamente Centros de Saúde. Um relatório de 1974 fazia a relação:
Os CASPs de Olhão (Centro Infantil Maria Helena Rufino) e de Portimão (Lar da Criança), mantinham o serviço de creche, tendo instalado centros de saúde nos espaços inicialmente destinados a jardim de Infância.
O CASP de Loulé (Casa da Primeira Infância) alberga tanto as funções inicialmente previstas como as de Centro de Saúde, impedindo que as valências iniciais se expandissem por falta de espaço.
O CASP de Lagos (Centro de Assistência Social Lucinda Anino Santos) albergava a Casa dos Pescadores e a Casa do Povo mas, ainda assim, continuava a oferecer serviços de Creche, Jardim de Infância e Internato.
O edifício, situado no limite sul de Igreja Nova, no topo de uma ribanceira, constitui-se por dois corpos alongados paralelos ao eixo da rua (e entre si). O primeiro desses, mais curto, avança junto ao limite do lote e albergava, na versão inicial do projeto, os serviços mais públicos do programa: consultório médico, secretaria, serviços sociais e sala de espera. O segundo corpo, mais longo, recuado em relação à rua, criando uma dilatação do espaço público beneficiava do recolhimento para conferir maior privacidade ao restante programa: dormitórios, refeitório, cozinha e recreio coberto no piso inferior.
Apesar da sua linguagem vincadamente moderna - esguios pilares coloridos (ou “pilotis”), coberturas inclinadas de uma água (inclinadas apenas para um lado), superfícies cerâmicas de padrões geométricos festivos e uma surpreendente pala apoiada num apoio escultórico em “V” - contrastante com as edificações envolventes mais sóbrias, a implantação do edifício procura estabelecer estreitas relações com a estrutura urbana pré-existente. Implantando-se em continuidade com a rua e situando a sua entrada ao fundo da Travessa do Centro de Saúde, um arruamento que liga o edifício à principal praça de Igreja Nova, o edifício acaba por mostra-se sensível aos fluxos e vida da povoação em que se insere e trá-los para dentro do edifício servindo-se dessa articulação para comunicar mais efetivamente o carácter de equipamento coletivo. Desse modo, o eixo lançado pela Travessa do Centro de Saúde tem continuidade para dentro do edifício, prolongando o espaço público para o seu interior.
A topografia do lote –uma marcada pendente com o seu ponto mais alto junto à rua – foi engenhosamente aproveitada pelo arquiteto. Ao privilegiar um percurso acessível de nível ao longo de todo o edifício, gera um diferencial entre a altura do corpo mais recuado da rua e o terreno em que se insere, gerando assim um espaço de recreio exterior, mas coberto, em tempos ligado ao nível superior do edifício por uma rampa, entretanto colapsada.
Momentos-chave (clique abaixo para mais detalhe)
Localização
Estado e Utilização
Materiais e Tecnologias
Fórum
Documentação
Notas
O projeto de mobiliário primitivo para o Centro de Assistência Social Polivalente de Aljezur, datado de 1962, foi da autoria do Arq. Manuel Carlos Ferrão de Oliveira, cf. Edite Borges, Movimento Moderno no Algarve do século XX: Centros de Assistência Social Polivalente (Universidade de Évora, 2020).
A informação constante desta página foi compilada e redigida por Tânia Rodrigues e Leandro Arez, entre maio de 2022 e Novembro de 2025, com base em diferentes fontes documentais e bibliográficas.
Para citar este trabalho:
Tânia Rodrigues e Leandro Arez para Arquitectura Aqui (2025) Edifício na Rua do Centro de Saúde, Aljezur. Acedido em 26/11/2025, em https://arquitecturaaqui.eu/pt/obras/19620/edificio-na-rua-do-centro-de-saude-aljezur

















































