Conversa com Paula Panóias Tadeu e Maria Soledade Faquinha, Sociedade Filarmónica Recreio e União Alhosvedrense - Alhos Vedros, Moita
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Registo de conversa com Paula Tadeu e Maria Soledade Faquinha, membros da direção da Sociedade Filarmónica Recreio e União Alhosvedrense, a quem muito agradecemos as generosas partilhas e a disponibilidade.
A coletividade foi fundada em 1869, e é ainda hoje conhecida como A Velhinha. Trata-se da coletividade mais antiga do distrito de Setúbal, e é uma referência pela sua história e pelas atividades que desenvolve.
A sede inicial foi inaugurada em 1871 na Rua Cândido dos Reis, onde funcionou durante alguns anos. A coletividade começou com a banda filarmónica, cujo espólio ainda se preserva (como, por exemplo, partituras, que estão a ser tratadas documentalmente, ou os livros de atas). O espaço deixou de ter condições, tendo em conta que as coletividades eram espaços onde as pessoas se reuniam. Foram, então, feitas angariações de fundos com largadas de touros para construção da sede, nos inícios do século XX. Esse edifício, inaugurado em 1932, ainda subsiste atualmente, nele funcionando o bar. O bar foi, nos últimos anos, cedido a concessão e tem recuperado o seu papel, estando aberto a qualquer pessoa e não apenas a sócios. O bar “é a alma da casa”, e tem dado nova vida à coletividade, sobretudo depois da paragem na pandemia. Antes das obras de ampliação concluídas em 1993, esse espaço era ocupado pelo salão, que possuía um varandim onde se faziam os bailes; já havia bar e também integrava salas da direção.
A entrada principal ficava ao centro da fachada principal. Com as obras de ampliação já nos anos 90, que levaram à construção de um corpo sobre este edifício, incluíram-se portas de vidro no canto, que permitem uma entrada direta para os pisos superiores, onde se localizam o auditório (usado para atividades como peças de teatro, e também alugado, como fonte de receita; encontra-se em estado de alguma precariedade devido a infiltrações) e as salas de direção e reuniões (onde se reuniu a biblioteca histórica). Estas obras foram necessárias devido ao afluxo de pessoas que ocorreu nos anos 80, altura em que Alhos Vedros cresceu, com a vinda de pessoas para trabalhar nas fábricas que então existiam, sobretudo de cortiça e de confeções. A iniciativa das obras partiu do então diretor da coletividade, sr. João Cruz. A necessidade de liquidar as dívidas contraídas com o empréstimo bancário para custear as obras levou a que se começasse a organizar o carnaval, que hoje continua a ser a atividade central d'A Velhinha. O largo à frente da coletividade - onde existe um coreto que que servia de palco para a Banda Filarmónica e centro social e cultural de Alhos Vedros - era, antigamente, um jardim.
A promoção do desporto pela coletividade despoletou a construção do pavilhão, nos anos 70. Sabem que as modalidades que existem há décadas são a ginástica, o basquete, a patinagem, e também o hóquei (que já não faz parte da oferta). Porém, o pavilhão não serviu apenas para atividades ligadas ao exercício físico: em 1973, a festa de casamento dos pais de Paula marcou a "inauguração" dos eventos nesse espaço. Também no pavilhão se realizavam bailes, muito concorridos, que começaram a perder peso com o aparecimento das discotecas. No pavilhão há uma cave, que para além de servir para preparação do carnaval é alugado para festas, e há também um piso superior com sala que serve de ginásio. No piso principal do pavilhão existe um palco, utilizado, por exemplo, nos saraus.
Atualmente há c. 1600 sócios. Há, inclusive, sócios que estão há 75 anos ligados à coletividade. No início da época desportiva há sempre algum aumento, dado ser obrigatório que as pessoas se tornem associados para frequentar as modalidades. As modalidades que se praticam neste momento, abarcando vários grupos etários, são: karaté, patinagem, ginástica, judo, capoeira, ballet. Passaram (e passam) pela coletividade jovens promessas olímpicas.
Apesar de já não existir a banda filarmónica, ainda há alguma ligação à música: até há pouco tempo existiu um coro, houve uma escola de música e existe, ainda, a bateria do carnaval (que, tal como as passistas, ensaia o ano todo). Por ocasião do 150.º aniversário foi feita uma nova gravação do hino original da coletividade. Durante um período também se fizeram marchas populares (entre 2007 e 2009, sensivelmente), mas deixou de ser viável considerando a dimensão e trabalho exigido pelo carnaval nas atividades.
Mantém-se atualmente as dificuldades financeiras para manutenção do edifício, sendo premente arranjar o telhado, bastante fragilizado, sobretudo com os temporais recentes. A empresa que construiu o telhado original contactou a coletividade na altura em que passaram 50 anos, para fazer uma vistoria, e apresentou um orçamento demasiado elevado para o arranjo, sendo necessário estabelecer prioridades para fazer intervenções faseadas. Em termos de receitas, para além das quotas e das mensalidades das modalidades desportivas, a coletividade recebe alguns donativos (por exemplo, no carnaval), aufere verbas quando a bateria é contratada para tocar fora, e organiza eventos como uma feira de Nata ou os saraus. Apesar do apoio logístico prestado pela junta de freguesia de Alhos Vedros, contam com pouco apoio por parte da câmara municipal (tendo em conta a antiguidade e serviço cultural, desportivo e social da SFRUA, que leva o nome do Concelho a todo o País).
Alhos Vedros é uma vila pequena, toda a gente se conhece, consideram-se mais rurais do que citadinos. Nos últimos anos, tem-se notado a vinda de muita gente de fora, com o crescimento urbano notado no Bairro Gouveia, nas Arroteias e na Fonte da Prata, em que a maior parte das pessoas (excetuando as de mais idade) tem menos ligação à coletividade e à própria vila.
A Velhinha estabeleceu-se, ao longo das décadas, como um ponto central de Alhos Vedros, um local onde as pessoas se reuniam para discutir assuntos da comunidade. Havia sempre muita gente no edifício. Era um pólo cultural, com a filarmónica e a biblioteca. Logo aquando da fundação da SFRUAV havia duas familiares de Paula – cuja família esteve sempre ligara à coletividade – que ensinavam as meninas a ler e escrever. Há notícia de que Teófilo Braga, ao passar temporadas nas casas de amigos, frequentava a coletividade e aproveitava o que esta tinha para ofercer. Havia grande interação entre as pessoas, e a coletividade fazia parte do seu quotidiano; era um ponto de encontro para várias gerações. Os bailes eram conhecidos pelo distrito inteiro e frequentados "por gente de todo o lado". Posteriormente, o desporto assumiu maior peso. Destaca-se, ainda hoje, a intergeracionalidade e a entreajuda na coletividade, o sentido de pertença, e o gosto e empenho em preservar a sua memória e em pugnar pela sua continuidade. Foi possível testemunhar o carinho e a estima que ambas nutrem pel'A Velhinha. Apesar da natural quebra registada na altura da pandemia, a coletividade volta a abrir-se à comunidade e procura fazê-lo diariamente.
A recolha e sistematização deste testemunho oral foram elaboradas por Ana Mehnert Pascoal, com base numa conversa mantida em novembro de 2025. As notas iniciais foram revistas por Paula Panóias Tadeu, a quem muito agradecemos a colaboração.
To quote this work:
Ana Mehnert Pascoal for Arquitectura Aqui (2025) Conversa com Paula Panóias Tadeu e Maria Soledade Faquinha, Sociedade Filarmónica Recreio e União Alhosvedrense - Alhos Vedros, Moita. Accessed on 05/12/2025, in https://arquitecturaaqui.eu/en/documentation/notes-from-observation-or-conversation/67296/conversa-com-paula-panoias-tadeu-e-maria-soledade-faquinha-sociedade-filarmonica-recreio-e-uniao-alhosvedrense-alhos-vedros-moita




