Conversa com Luís Rendeiro, Associação de Educação Física, Cultural e Recreativa Penichense
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Registo de conversa mantida no dia 27 de março de 2025 entre Ana Mehnert Pascoal e Luís Rendeiro, membro da direção da Associação de Educação Física, Cultural e Recreativa Penichense e arqueólogo, também dirigente da associação PATRIMONIUM - Centro de Estudos e Defesa do Património da Região de Peniche e professor na Universidade Sénior de Peniche, a quem muito agradecemos as generosas partilhas, bem como a possibilidade de visitar o edifício e de consultar documentação. Agradecemos igualmente à diretora da associação, Paula Rendeiro, com quem também tivemos oportunidade de conversar.
A associação foi criada em 1902 por um grupo de intenções republicanas, com a base filosófica de prover cultura e desporto para todos. Tinha um espectro cultural amplo: teatro, música, dança, clubes de literatura, mais tarde o cinema. Nos estatutos originais ficou patente a intenção de criação de uma biblioteca pública, não só para os sócios – hoje a associação mantém uma sala para esse fim. A associação nasceu em contraponto a uma associação um pouco mais antiga de Peniche, o Clube Recreativo Penichense. O clube foi criado por militares e tinha restrições de acesso (era necessário ter um determinado estatuto social); a associação surge ligada a comerciantes (abastados), impedidos de integrar o clube e, assim, procuraram criar um organismo mais abrangente, aberto à comunidade, com forte inspiração republicana. Durante a ditadura, o elitismo do clube era tal, que pescadores e peixeiras não estavam sequer autorizados a passar em frente do edifício, conforme o avô de Luís lhe contava. Durante o Estado Novo, o clube ganhou protagonismo, e a associação “caiu no radar do regime”, houve vários republicanos presos no Forte de Peniche. A associação manteve sempre o seu espírito de abertura, e há registos das tentativas de boicotá-la durante o Estado Novo; para que não se levantassem suspeitas, nas atas descreviam-se ações que na realidade não ocorreram, como a expulsão de sócios e o encerramento de grupos de teatro, e mais tarde esses sócios, geralmente estudantes que iam para Lisboa, regressavam sob outros nomes e com reformulação das atividades. Ou seja, “a associação foi sempre combativa contra o regime”.
Só os homens tinham direito a ser sócios, as mulheres e filhos ficavam sob o nome do marido/pai. Apenas com a atual direção, iniciada em 2021, passou a existir uma presidente e foi mudado o sistema de associados.
Após o 25 de abril, no tempo do PREC, o salão, que tem 500 m2, e foi requisitado para realizar comícios políticos de vários partidos, com muita agitação e altercações.
Nos finais dos anos 80/90 houve declínio da associação e desfasamento com a sociedade, a matriz intelectual que fora a base da associação perdeu-se com a fuga de muitas pessoas para Lisboa que não regressaram a Peniche. Notou-se a quebra nos carnavais, com associada perda de receita. E também houve quebra nas aulas e nos bailes. Já havia, então, necessidade de obras no edifício e de reformular o sistema associativo. A associação perdeu força e nos anos 2000 ficou praticamente ao abandono, com desaparecimento das atividades e degradação do edifício. Em 2020, toda a direção desapareceu (havia apenas um diretor com mais de 80 anos), e o edifício ficou ao abandono durante a pandemia, o que levou a que a atual equipa assumisse a direção em 2021, dando novo fôlego à associação e procurando fomentar o espírito de convívio entre todos os que fazem parte, incluindo professores e alunos.
Este edifício foi inaugurado em 1966, anteriormente funcionou noutras instalações, numa rua pequena. Pensou-se na construção de um novo edifício por volta de 1961, quando a média de sócios era de 3.000 (contabilizando apenas os homens e não os dependentes), tornando-se as instalações insuficientes. Havia, em vários momentos, tempo de espera para se tornarem sócios.
Os sócios fizeram donativos para a construção; a associação criou obrigações em relação ao património (como um banco; no fundo, é o que constitui ser sócio). O terreno foi vendido por um valor simbólico pela câmara municipal. "Construíram um edifício megalómano para a época", destaca-se da envolvente, empregando materiais nobres e de grande qualidade (por exemplo, a escadaria principal em mármore). No entanto, o edifício não corresponde totalmente ao projetado, pois o estudo integrava mais um piso abobadado onde se integraria um cinema para 500 pessoas, sobre o salão (tem 3,5 pisos atualmente). Também se pensou numa piscina coberta, nunca concretizada. Ambos não se realizaram por questões financeiras, os fundos angariados não foram suficientes. O edifício inaugurou sem estar colocado o chão do salão, e demorou 2 ou 3 anos para que fosse colocado, com atividades a decorrer diretamente sobre o cimento - realizaram muitos bailes para angariar fundos para conseguir terminar o salão.
Em termos de atividades, foram inúmeras ao longo dos tempos: clube literário, xadrez, setas, teatro, surf, vólei, karaté, taekwondo, tai-chi, ginástica, ginástica acrobática, futebol, hóquei, atletismo, badminton, entre muitas outras. Chegou a haver 1.000 atletas na ginástica, e venceram campeonatos nacionais em 1986. Atualmente mantém-se a ginástica, karaté, dança, cerâmica, pintura, teatro infantil, e vai renascer uma companhia de teatro. As mensalidades são acessíveis, para garantir que pessoas com recursos mais baixos também possam usufruir. A associação preocupa-se com a integração e a reinserção social nas atividades desportivas e culturais, particularmente dos jovens, incluindo acolhimento de crianças em instituições e dos bairros mais desfavorecidos de Peniche, mantendo o espírito que esteve na sua génese e que manteve ao longo da existência, "de acolhimento e promoção das minorias". A associação tem mais de 200 alunos (90% são do sexo feminino, pois a associação é dos poucos locais com oferta desportiva vocacionada). Nas instalações funciona também a Universidade Sénior, que tem c. 300 alunos. Há muita movimentação todos os dias neste edifício.
Uma das atividades mais impactantes foi o Carnaval, e aproveitava-se o salão para grandes festas e bailes, com c. 1000 pessoas (apenas permitindo entrada a sócios dada a afluência, nos anos 80/meados dos anos 90). Havia também jogo na associação, "com um autêntico casino".
Junto da entrada, fica a zona da direção e a secretaria a Universidade Sénior, que paga para utilizar os espaços no edifício. Na zona da direção da associação, é possível aceder por umas escadas à antiga sala da direção, agora menos usada para reuniões, com muitas fotografias antigas e livros que são doados. Adjacente está uma sala onde ficam os arquivos, com documentação proveniente desde os inícios da associação (livros de atas, contabilidade, etc.). Neste nível, há algumas salas que pretendem recuperar, e uma cozinha ampla que abre para um espaço exterior com garagem (possivelmente construída nos anos 80), no qual há ideias para fazer uma horta comunitária. Nota-se que o edifício do lado, construído posteriormente, está totalmente adjacente ao da associação.
Próximo da zona de entrada, acede-se a uma zona ocupada por salas da associação Patrimonium- Centro de Estudos e Defesa do Património da Região de Peniche, a outra associação fixa sedeada no edifício. Agrupa arqueólogos e historiadores que trabalham sobre o património da região. Possui sala para apresentações (um espaço multiusos também usado pela Universidade Sénior), biblioteca, sala da direção e laboratório; colaboram com várias universidades portuguesas e estrangeiras, e prezam o retorno das investigações à comunidade.
Ainda no piso inferior, há uma zona que foi adaptada para receber as aulas de ballet da câmara municipal, que antes funcionavam na Fortaleza, de onde tiveram de sair por volta de 2019 devido à adaptação a museu; entretanto, transitaram para o centro cívico intergeracional. Era uma zona ampla, com bar, que foi fechada, e integraram vestiários. Funciona para diversas atividades desportivas e também para a Universidade Sénior, que paga pela utilização dos espaços. No lado oposto há uma sala, com abertura para o terraço exterior; hoje funcionam aí as aulas de karaté, nos anos 90 "era a febre das arcadas" e havia também mesas de ping pong, e snooker e setas, que já se jogavam nos anos 60 neste espaço.
Neste piso está também a sala da biblioteca, em renovação, com estantes para acomodar os livros, com finalidade de também ser uma sala nobre para receções de convidados. Existe ainda uma sala onde decorrem as aulas de cerâmica, com forno. Próxima há uma sala, usada para aulas, que era antigamente um café, e que liga ao exterior.
No primeiro piso entramos por uma sala que tinha urinóis, que foram retirados (tal como as divisórias em mármore), para adaptação a sala ainda sem fim definido (tem sido utilizada pelos 3 grupos de teatro). Várias salas foram adaptadas, renovaram instalações sanitárias e balneários, e integraram camaratas no piso acima deste, que são utilizadas pelos alunos de arqueologia que Luís acolhe durante as escavações.
É no primeiro piso que se localiza o amplo salão com 6 metros de altura, com vários problemas de manutenção (também notórios no equipamento). O chão foi renovado há 30 anos. Tem um palco de grande dimensão com sótão e régie no topo (sem escada de acesso). Tem sido usado também para peças de teatro. Há noção de que é necessário investimento de obras no salão para que as condições sejam melhores para realizar desporto e teatro. O salão não é alugado, embora em direções anteriores isso tenha acontecido, com prejuízos. Há ainda uma cozinha para apoiar os espetáculos, junto do acesso pela escadaria principal, seguindo-se vestiários e sanitários.
No último piso, há uma sala onde funcionou a primeira rádio de Peniche, a Rádio Peninsular (então rádio pirata), acolhida pela associação. Mais tarde, derivou para um clube de vídeo, no qual gravavam os carnavais e vendiam as cassetes para angariar dinheiro para a rádio. Hoje, o espaço é usado por bandas para ensaiar, e há projetos de recuperar a sala como estúdio de gravação, e reformular uma sala adjacente como sala de ensaio, para serem alugadas por bandas de música. Menciona, ainda, que se realizam exposições temporárias de artistas internacionais.
A direção pugna pela preservação do património e da documentação histórica, e tem várias ideias para dinamização cultural dos espaços. Solicitou auxílio à câmara municipal para algumas obras de conservação imprescindíveis, mas não recebe subsídios municpais.
A associação está a fazer um crowdfunding para apoiar a recuperação do telhado, danificado pelas tempestades que ocorreram pouco tempo antes da visita. Atualmente há dificuldades financeiras para manutenção do edifício, é um peso pela dimensão avultada dos gastos implicados, sendo necessário fazer uma gestão apertada. Há apoio e boa-vontade dos sócios, que auxiliam em trabalhos de manutenção. Também se realizam atividades como o Festival das Sopas em maio, com apoio da associação dos bares de praia (na zona do átrio no topo da escadaria), fazem-se rifas com cabazes, e organizam uma feira do livro com livros doados, tudo para angariar fundos para a associação.
Luís destaca o papel preponderante da associação ao longo dos tempos em termos culturais e desportivos, o papel social central na cidade de Peniche, embora nem sempre isso seja valorizado pelo município.
A recolha e a sistematização destes testemunhos orais foram elaboradas por Ana Mehnert Pascoal, com base numa conversa mantida em março de 2025.
Para citar este trabajo:
Ana Mehnert Pascoal para Arquitectura Aqui (2025) Conversa com Luís Rendeiro, Associação de Educação Física, Cultural e Recreativa Penichense. Accedido en 06/09/2025, en https://arquitecturaaqui.eu/es/documentacion/notas-de-observacion-o-conversacion/65035/conversa-com-luis-rendeiro-associacao-de-educacao-fisica-cultural-e-recreativa-penichense