Unidade de Cuidados Continuados, Miranda do DouroHospital Sub-Regional, Miranda do Douro
O antigo Hospital Sub-Regional de Miranda do Douro, hoje Unidade de Cuidados Continuados, foi inaugurado em 1959, cerca de quatro anos depois de começarem as obras de construção do escalão de Miranda do Aproveitamento Hidroelétrico do Douro Internacional. Em agosto de 1956, quando se lançavam os trabalhos na barragem, a ata nº 148 do Conselho de Administração da Hidroelétrica do Douro (HED) refere que a sociedade já havia anteriormente concedido um subsídio de 700.000 escudos para a construção do Hospital, considerando agora conceder um reforço de 44.000 escudos, caso a Comissão das Construções Hospitalares conseguisse terminar a obra no prazo de um ano.
Entre 1950 e 1960, a população do concelho de Miranda do Douro aumentou de cerca de 13.000 habitantes para aproximadamente 19.000 (dados do INE), correspondendo pelo menos 4.000 destes novos residentes a trabalhadores na construção da barragem, que se instalaram na cidade entre 1956 e 1960 (HED, 1958).
“Que técnica! Que harmonia de linhas! E a Albufeira tão azul, a refletir nas margens as casas, as árvores e as flores!
Encanto!
Pois nela o Ramalho apanhou uma silicose, quando marteleiro e capataz nos túneis. Está quase no ultimo grau.”
A dureza e perigo do trabalho de construção das barragens do Douro Internacional, documentada nos escritos e fotografias do Padre Telmo Ferraz (Pereira, 2022), foi também testemunhada por muitos. Em Miranda do Douro, na iniciativa realizada em 16 de junho de 2023, referiram-se os acidentes e os repetidos casos de doenças pulmonares que sofreram os trabalhadores do escalão de Picote, construído entre 1953 e 1958. Entende-se assim o investimento da HED na construção do Hospital, que veio substituir um edifício antigo na Rua do Postigo, como equipamento essencial para garantir a saúde e mesmo a sobrevivência dos seus trabalhadores, e também como parte de um conjunto de estruturas “criadas para as pessoas virem para cá (…) mas que foram de utilidade imediata para toda a cidade também, e que ficaram” (testemunho na iniciativa Cumbersas ne l Arquibo: Arquitetura Aqui em Miranda do Douro, 16 de junho de 2023).
Pese embora o contributo da HED, o Hospital era um equipamento de uso público, construído no âmbito da Lei 2011 de 2 de abril de 1946, que promulgou as bases da organização Hospitalar e definiu a instalação de hospitais centrais, regionais e sub-regionais para assegurar a assistência hospitalar das diferentes zonas do país. Para a sua construção e aquisição do terreno, foram concedidos, à Santa Casa da Misericórdia de Miranda do douro, uma comparticipação de 100.000 escudos pelo Fundo de Desemprego, através do Ministério das Obras Públicas, em 1956 e um reforço de 518.750 escudos em 1957.
Em 1960 a barragem entrou em funcionamento. A ata nº 356 do Conselho de Administração da HED indica que o Hospital, que já operava há cerca de um ano, era gerido pela Santa Casa da Misericórdia de Miranda do Douro, com quem estabeleceu um acordo “para que o pessoal desta Sociedade continue a utilizar o Hospital depois de concluídas as obras do escalão de Miranda”. Os utilizadores, tanto aqueles que trabalharam na barragem (os barragistas), como os que não estavam ligados à HED, lembram-se de o Hospital ser de acesso público, servindo toda a população do concelho (testemunhos na iniciativa Cumbersas ne l Arquibo: Arquitetura Aqui em Miranda do Douro, 16 de junho de 2023).
Fala-se deste como “o melhor hospital de todo o distrito”, onde havia tudo. “Miranda converteu-se no centro onde vinha gente de todo o distrito fazer operações, ter consultas médicas, porque havia aqui uma data de médicos que a Hidouro colocou aqui (…). Neste Hospital (…) também houve gente de muita categoria no campo médico. O [médico] por exemplo, veio de propósito por causa das doenças dos pulmões, das silicoses que se apanhavam aqui” (testemunho na iniciativa Cumbersas ne l Arquibo: Arquitetura Aqui em Miranda do Douro, 16 de junho de 2023). Diz-se também que “O mais importante que deixou a EDP para nós mirandeses foi o hospital. Tínhamos todas as valências neste hospital” (testemunho de Margarida Nunes, 2023). Hoje, olha-se com saudades para este equipamento de saúde.
No entanto, o edifício permanece, tendo sofrido sucessivas alterações para se adequar aos diferentes programas que o foram ocupando.
Em 1971, a Portaria nº 409 criou centros de saúde em várias localidades, incluindo Miranda do Douro. Era um programa novo, nos primórdios dos cuidados de saúde primários em Portugal, que se instalava dentro do mesmo edifício onde funcionavam os serviços do Hospital (discurso na inauguração do edifício do Centro de Saúde, 1981). Só passados 10 anos, em 1981, foi inaugurado um edifício anexo, no mesmo terreno da Santa Casa da Misericórdia, destinado aos serviços do Centro de Saúde.
Em 2005, o edifício do agora antigo hospital albergava apenas os serviços do Centro de Saúde. Nesse ano, a inauguração de um novo edifício na Rua Dom Dinis esvaziou o edifício deste programa, tendo-se posteriormente instalado nele uma Unidade de Cuidados Continuados, que aí continua até 2023.
Notes
O edifício do Hospital sub-Regional situa-se entre a Rua Rainha D. Catarina e a muralha de Miranda do Douro, em terrenos da Santa Casa da Misericórdia, ocupando o espaço oposto ao da antiga Igreja. Hoje, encontra-se junto à principal entrada no núcleo intra-muros.
Era, no momento da sua construção, “constituído por dois corpos com dois pavimentos ligados perpendicularmente, ficando no 1º corpo as dependências destinadas à consulta externa, serviços administrativos, capela e instalações de pessoal, e no 2º corpo o internamento para 16 camas, lavandaria e casa mortuária" (MOP 1959, p. 101). Desde 1959, data da sua inauguração, foi sendo alvo de transformações físicas e programáticas, entre as quais se destacam a construção de um anexo, térreo, a fechar o topo Norte do terreno, e a ampliação do corpo transversal à muralha com um elemento que se projeta sobre a rua e se acopla ao casario pré-existente.
Apesar das notórias ampliações, o edifício original mantém-se bastante inalterado, tanto no seu aspeto exterior e na sua materialidade, como na sua organização funcional interna. Com as sucessivas alterações programáticas do edifício, algumas paredes foram demolidas para ampliar compartimentos, ao mesmo tempo que outros foram subdivididos. O antigo bloco operatório transformou-se em gabinetes médicos, instalou-se uma sala de enfermagem e um gabinete de saúde materna, mas mantém-se a organização de compartimentos de diferentes divisões distribuídos ao longo de corredores, fazendo-se o acesso entre pisos através de uma escadaria localizada no cruzamento dos dois volumes (informação recolhida de testemunhos de utilizadoras do edifício em diferentes momentos da sua vida).
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Documentation
A informação constante desta página, fruto do trabalho de Catarina Ruivo e Ivonne Herrera, foi reunida através de diferentes fontes documentais e bibliográficas e dos diversos contributos e testemunhos que pudemos recolher em Miranda do Douro. Conta com os testemunhos de Margarida Nunes, Artur Nunes, Manuela Ruivo, Vítor Bernardo e de outras pessoas, que permanecem anónimas, entre elas os vários participantes do evento Cumbersas ne l Arquibo, realizado em 16 de junho em 2023 com a colaboração do Arquivo Municipal de Miranda do Douro, sobre o tema Arquitetura Aqui em Miranda do Douro: O Arquivo Vivo da Nossa Memória. Inclui ainda informação patente no espólio fotográfico de Amadeu Pereira Leite, cedido pelos filhos, e recolhido pela neta Lara Leite, e no espólio fotográfico e textual de Gualdino Ruivo, cedido pelos filhos.
To quote this work:
Arquitectura Aqui (2024) Unidade de Cuidados Continuados, Miranda do Douro. Accessed on 21/11/2024, in https://arquitecturaaqui.eu/en/buildings-ensembles/1676/unidade-de-cuidados-continuados-miranda-do-douro