Conversa com José Gameiro, Salvaterra de Magos
Identification
Content
Registo da conversa mantida com José Gameiro na Biblioteca Municipal, a quem muito agradecemos a generosa partilha e a disponibilidade para conversar sobre as suas experiências.
José Gameiro teve um interesse pela história, sobretudo da sua terra, desde que frequentou a escola primária, nos inícios da década de 1950. Cresceu em Salvaterra de Magos. O seu pai foi funcionário da câmara municipal, e a mãe trabalhava nos arrozais. Nessa altura, a agricultura era a base económica do concelho, e ainda hoje tem um peso significativo, sobretudo a cultura do arroz. Havia muita pobreza, e Salvaterra foi assolada por várias catástrofes naturais, como o terramoto de 1909, o ciclone de 1941, e as constantes cheias em determinados períodos do ano.
Andou na escola primária Marechal Carmona, hoje ocupada pela GNR (José Gameiro teve um papel na manutenção do painel de azulejos no edifício, que identifica a escola, depois das obras de adaptação). Na altura, havia 4 turmas, todas só de rapazes, mas uns 10-15 anos depois, o ensino já era misto. A escola do Parque foi a primeira a ter cantina, nos anos 60, anteriormente não havia cantina. Na escola Marechal Carmona havia um alpendre para brincarem os intervalos. Os alunos vinham sobretudo de Salvaterra e das povoações próximas. Havia alunos suficientes para existirem 3 escolas primárias em funcionamento (às duas referidas, acrescia a escola construída por subscrição do jornal O Século).
Começou a trabalhar depois de completar a 4.ª classe, e entrou ao serviço da empresa da transportes Setubalense. Foi também funcionário da Câmara Municipal. Recordou tarefas de organização de documentação antiga, que estavam por tratar, tendo descoberto documentos relevantes para a história de Salvaterra. Também passou pelos jornais: começou a escrever no jornal Aurora do Ribatejo, e passou pela direção do jornal Vale do Tejo. Fez parte da programação de festas. Por outro lado, com c. 30 anos, foi político, tendo feito parte da criação do Partido Socialista em Salvaterra de Magos, chegando a ser autarca.
Recorda-se de episódios em que esteve envolvido na construção de equipamentos: “Depois do 25 de Abril, em que o povo estava ali para dar para dar azo a sua liberdade, fizemos um parque infantil.”
Trabalhou com o padre José Rodrigues Diogo – foi secretário do Centro Paroquial de Bem Estar Social de fins dos anos 1970 a inícios de 1980 –, que chegou a Salvaterra nos anos 40. Deparando com o estado de pobreza em que vivia a maioria das pessoas, e perante o problema das barracas, que se vinha arrastando há décadas, o padre tomou a iniciativa de construir um bairro para alojar os mais necessitados. Os terrenos foram doados por José de Menezes e sua esposa Maria da Lurdes Vinagre. Assim, um dos bairros foi designado como S. José em sua homenagem. O outro honra o patrono religioso de Salvaterra de Magos, S. Paulo, mencionado no foral de 1295. Este bairro era para os realojados das barracas, e não só, porque havia também muita gente que vivia na vila com grandes dificuldades, com fracos recursos.
O padre foi a vários países na Europa. Na primeira fase, vieram jovens estudantes de comunidades religiosas ajudar na construção das casas. Mas também foi dado trabalho aos locais. Na segunda fase, viajou para a Europa e América, e houve apoio financeiro dos emigrantes que viviam fora do país para a construção. O bairro foi um impulso para desenvolver aquela zona do Pinhal da Vila. Naquela altura não havia construção. “A minha casa foi a primeira a ser construída, em 1973, no Bairro do Pinhal da Vila (na rua principal, que vem desde a rotunda)”.
O padre empenhou-se no desenvolvimento de Salvaterra e no apoio aos mais carenciados. “Instituiu a sopa dos pobres, a oficina de corte e costura para as crianças raparigas, a creche”. O Centro Paroquial de Bem Estar Social empenhou-se construção de uma nova creche nos anos 80, e obteve apoios financeiros estatais (“da Segurança Social”). O terreno foi oferecido. O projeto foi elaborado pelo arquiteto Segurado, que depois esteve envolvido no Gabinete de Apoio Técnico (GAT) de Salvaterra, Benavente e Coruche. O GAT funcionava onde hoje são as Águas do Ribatejo. No início o acesso à creche era mais restrito, atualmente mudou-se a modalidade. Tinha, originalmente, capacidade para 145 crianças.
José Gameiro também esteve envolvido, juntamente grupo de 8 elementos, na implementação do primeiro centro de dia em Salvaterra. Compraram uma carrinha furgon no ferro velho, que ia buscar as pessoas até às primeiras instalações, e forneciam alimentação. Era uma novidade, pois não existia nos anos 80. A Santa Casa da Misericórdia tomou a iniciativa de construir um lar com centro de dia, ao que o referido grupo se associou. Os terrenos pertenciam à Misericórdia, que também construiu os fogos que ficam junto ao lar, para pessoas idosas que ainda vivem aí de forma independente, em família, recebendo cuidados no lar.
A Casa do Povo foi criada pelo benemérito Gaspar da Costa Ramalho, que cedeu as primeiras instalações. O edifício construído nos anos 30 tinha um gabinete médico, que era exclusivo para os associados, que tinham direito às regalias sociais e culturais. Para os restantes a assistência médica era prestada no Hospital da Misericórdia, construído em 1913. Algumas pessoas ainda referiam que recebem a reforma por descontarem para a Casa do Povo (isto é, porque pagavam as quotas). O seu pai foi associado da Casa do Povo, eram os chefes de família que assumiam esse papel. Em termos de atividades culturais, lembra-se que passavam filmes. A prática desportiva foi dinamizada com a construção do pavilhão no final dos anos 60, que é igual ao de Muge, e predominava a modalidade de andebol. Havia muita adesão. De resto, os trabalhadores também jogavam futebol. Hoje acha que o pavilhão é utilizado pelas escolas. Há um rancho folclórico da Casa do Povo criado já em 1980; nessa altura, a Casa do Povo ainda funcionava, só foi extinta nessa década, passando o edifício a ser ocupado pela Segurança Social, que retirou o letreiro que identificava a Casa do Povo (José Gameiro partilhou uma fotografia na qua se vê essa inscrição na fachada). A vida associativa já não passa por aquele espaço.
O celeiro da EPAC era originalmente para o trigo (pertencia à Federação Nacional dos Produtores de Trigo), terá sido construído nos anos 40, tem memória dele em criança (“nos anos 50 já existia”). Mas ia com a mãe ao celeiro do arroz, onde hoje está a Escola Profissional, para buscar água. Salvaterra estava cheia de adegas e celeiros. Tinha também palheiros. A sua conversão em mercado relaciona-se com o encerramento e demolição do anterior mercado, que tinha sido construído com o intuito de ser provisório e funcionou várias décadas. Esse mercado foi demolido há poucos aos, já na legislatura atual. Acredita que hoje em dia ainda se justifica a existência do mercado, que funciona todas as manhãs; tem clientela, apesar dos vários supermercados que entretanto existem em Salvaterra.
O edifício dos bombeiros foi mandado construir por Gaspar da Costa Ramalho, que o ofereceu aos Bombeiros, em 1936. O quartel e sede tem dois pisos: no de cima foram instalados os serviços administrativos, bar, e salão de Festas (para ensaios da Banda de Música). Em baixo, o espaço foi destinado a aquartelamento e recolha de viaturas. Agora existe uma escola de música, mas não sabe bem se continua a ter ligação aos bombeiros, que se mudaram para um edifício mais recente.
Até aos anos 60, os correios funcionavam nas instalações do antigo palácio, hoje corpo contíguo ao da biblioteca municipal. A construção de um edifício próprio, em terrenos que eram ocupados por uma oficina de ferreiro. Houve impulso do engenheiro Gama Prazeres dos CTT para a construção, pois tinha vindo viver para Salvaterra por a sua esposa ser natural da vila.
To quote this work:
Arquitectura Aqui (2025) Conversa com José Gameiro, Salvaterra de Magos. Accessed on 22/02/2025, in https://arquitecturaaqui.eu/en/documentation/notes-from-observation-or-conversation/58212/conversa-com-jose-gameiro-salvaterra-de-magos